POEMA SEM FIM I

POEMA SEM FIM I

Neste trem

Olhos remendados de subúrbio

Nada creio, já penso tudo.

Homens e mulheres

Que homens e mulheres serão?

À deriva, escaleres

Sonolenta solidão.

Tão sós e valentes

Só corpo, perdidamente

Elucidar o quê, parceiro?

Vagão de gente...

Comboio de carne

Caravana de compradores

Futuro? Disparate!

Esperança? Dissabores!

Comover essa gente?

Tanta gente, povo

Ressucitar em diferente

Nascer de novo

Em outro leito

Pular de outra vagina

Saborear peito de abundante leite

Sem ódio, estrias...

Nascer n’outra casa

N’outra zona

Arrefecer a brasa

Da cabeça que implora

Conhecer o sentido

De estar vivo e respirando

Sem amor negado

Sem desatino, abandono

Ter direitos reconhecidos

Desejos saciados

Crescer homem, convencido

De não estar sendo renegado.

Aprender amando

Descobrir amando

Errar amando

Uma casa u’a mãe um pai

Um lugar onde a mãe

Invente risadas do infortúnio

Ensinando a dobrar a dor.

A mulher no centro de tudo.

E um pai, homem simples

Que seja apenas o sinal da terra,

Um beijo que descerra a cortina

Descobrindo a família na periferia.

Uma casa, um lugar sincero

E claro onde a palavra

Dita seja como o ferro

Que descende da fornalha.

Nascer, simplesmente outra chance

Outro lugar mais dígno

Já que não foi pedido

Para ser homem e mulher, filha e filho.

Assim, sem saber ao certo

Como serão os arrebaldes

Dobrar as esquinas

Sem medo da tarde

Atravessar as ruas

Sem medo de atropelos

Sem medos, sem medos,

Sem medo.

E se assim fosse, renascer

Na certa, como o sol vem

Eu seria outro, eles outros

Sem estarmos à deriva, no trem.