OS AVISOS II
OS AVISOS II
A negra, com o cinto revestido em oiro,
Os pés bordados em marfim e pedrarias
(ou a pálida mulher sem brilhos,
olhos turgidos de medo e agonia)
vem, com as gralhas, sobrevoar a plantação
grasnando um ódio contido.
Seus olhos são raias de sangue vivo;
sua boca, trajeto de palavras frias.
Sua garganta se abre sem mistérios,
todos os sons são repulsa,
amígdalas rubras de energia.
À luz difusa da tarde
a negra se distingue por seu porte.
Chocando-se contra o céu de muitas cores
invoca Mandela, implora morte justa.
Seu código é incompreensível,
ciência que só Deus transpõe
embora ele nada interprete
daquilo que sua pouca compreensão
decodifica e ofusca.
Ódio e medo deformam a mulher
que declara sua impotência às gralhas
cujo instinto é mais gentil
que a semelhança de Deus.
Seu rosto, um contorcer de músculos.
O peito, pasta de indignação
no campo esquecida, a maciez da plantação.
As gralhas ajuntam-se à sua volta
compondo um cortejo de grasnidos e revolta
sobre a cidade áspera e individual
Abandonando os caminhos da revolução
onde a negra destoa com sua capa cravejada.
Condicionados a tudo ver e nada sentir
os citadinos observam a deusa dos corvos
cantando seu lamento, que é o de todos os povos
sob a noite da América sem estrelas.
Extasiados pela beleza contida na dor da negra
elites republicanas embalam sob o sono dos filhos;
cegos massageiam saxofones de ouvido.
A massa, insensível ao chamado,
passa, aglomerada e dispersa, ao largo.
A negra chora, as lágrimas ampliam seu canto
que ofende as ogivas de Deus.
Do plúmbeo e macio céu azul e branco
descem querubins adestrados pelo senhor americano
que roubam à negra a dor, forja para seu canto
e às gralhas empresta um esvocejar anglicano,
furtando-lhes o bater de asas ateu.
Os parvos, na noite anestesiados,
pouco se apercebem do emudecer da raça.
Os autosonhos e fantasias levam todos
a mergulhar na apatia do final de dia:
comunidades de um a trafegar em letargia.
A negra, emudecida pelo poder absurdo
do deus branco fabricante de heróis do mundo,
puxa suas entranhas para fora do ventre,
expõe suas veias jorrando sangue e ouro
causando enchente nas ruas de lodo.
Seus maxilares se arreganham
seus dentes denunciam a podridão do sul.
Sem voz, sem ouvidos que a ouçam
mergulha nesta cova do mundo
atingindo o fundo mais profundo
desaparecendo na terra farta e faminta
da razão mais absurda.
E quando tudo já volta ao normal,
a fome correndo solta na plantação
ouve-se, ao longe, os acordes de uma garganta malsã:
’verás que um filho teu não foge à luta’’