OPIÀRIO
OPIÀRIO
A noite cavalga sobre mim
suas duras esporas de adormecer varões.
A tímida esperança de lua atrás dos fios
faz-me tremer: minha visão é pura eletricidade.
A cidade entra em curto.
São homens e mulheres
impregnando o ar de crua realidade.
Os homens falam de futebol
as mulheres discutem compras.
Triviais, para eles o tudo é isso:
as novidades da butique,
o joelho do Zico.
Os ônibus não cessam
as pessoas não cessam
o motorista acelera sua vida sobre a pista.
Os homens acomodam-se
enquanto as mulheres se aquietam.
Outra leva chega e espera.
Os homens observam as mulheres que excitam.
As línguas não sossegam os gols, as conquistas.
O país é isso: as mulheres, as dores do Zico.
As mulheres, os homens as tentam
com monstruosos futuros de amantes:
apartamentos e belas prendas.
O resto: 130 milhões de meniscos.
II
A noite abala meu pessimismo.
Pouco a pouco envolvo-me pelo lirismo
de um amor imediato
Cabelos curtos, moreno contacto
Os peixes exploram os domínios do aquário
O jornaleiro berra, mas o Brasil é uma vitória
O mundo, disparate.
A noite realça meus presságios,
mergulha-me na realidade.
III
Suspiros orbícolas sobre a cama se abatem.
A mulher adormecida não indaga minha língua.
A noite cavalga comigo sobre as encostas
da vitoriosa realidade.
Com as mãos enojadas arranco minhas entranhas
fabrico outro homem que não sou e não se debate.
Com ouvidos desensurdecidos
oiço canhões distantes no furor do combate.
Relâmpagos fabricados abrem crateras
por todas as partes.
Mãos treinadas abrem feridas
dentro da noite
que relincha comigo
no seu encalce: os peixes
nada disputam no céu do aquário.
IV
Trêmulo, apeio da montaria
que estrebucha nos homens aos pedaços.
Regresso ao país no qual nasci
que tem nome e divisas por desastre,
onde a paz é a vitória de ontem à tarde.
V
Com os olhos ardendo de cansados
refugio-me na caneta
perguntando-me se isso é poesia
ou puro alarde
de um pessimista
que não aceita ludismos
com a verdade
por mais que seja a alma do país um menisco
não digladiam os peixes no aquário