O NOIVO INSISTE
O NOIVO INSISTE
Sxcf
Vem, Clarissa, ouvir
a cantiga dos ciprestes
ao passar da brisa.
É como ouvir crianças dormindo
enroladas em suas mantas e sorrindo.
Vem, Clarissa, vem ouvir
os guizos das folhas
chacoalhando de alegria.
Vem ouvir, Clarissa, vem!
Abandona-te da letargia.
Quantas meninas, como tu, Clarissa,
gostariam de ouvir os ciprestes.
Ouvir o ir-e-vir da brisa.
E tu metida nesse silencio
nesse marasmo, nessa... má fantasia!
Ah, Clarissa, os homens chegaram
com os machados acesos,
com os olhos antevendo fumaça
com o corpo fedendo a serraria.
Estão se aproximando, podarão a brisa.
Vão levar lenha às suas fábricas
de sinais, vida a seus engenhos
força aos motores
e tu não mais ouvirás a brisa,
doce e triste Clarissa.
Vão dela retirar o motivo de vir
aqui. A brisa só vem pelos ciprestes,
eu por ti e tu não queres ouvir.
Escuta o som trancado das botas
quebrando as macegas, um som ruim
de se ouvir.
Clarissa, breve quedará em noite
breve cairão os ciprestes
cairão todos
eu
E tu, Clarissa,
não aproveitastes a brisa
não ouvistes o som claro
do vento espalhando alegria
pelas folhas das árvores esguias.
E quando nada mais houver de pé
quando os homens instalarem seus machados
sentirás saudades dos ciprestes
que sequer chegastes a ver
estacionada em teus bordados.
A tua obra, Clarissa,
não servirá de manto aos meninos
que dormem sorrindo
sonhando com o que não vem.
Inclusive eles terão partido
e tu, dentro de um ônibus,
com tua pouca mudança
esquecerás os ciprestes e as crianças.
Verás apenas fábricas ao derredor
e tudo em ti será pior.
Teu marido será um trabalhador
que corta ciprestes por profissão
e toca flauta por ofício.
Teus dias serão de sofrer quieto
tuas noites de morno sacrifício.
E quando te deres por conta, Clarissa,
Estarás sonhando com ciprestes
entre passados pela brisa.
E tu não poderás mais vir ouví-los
arqueada pelo passar da vida.
Por tudo isso, vem, Clarissa
vem correndo ouvir a brisa
cantando entre os ciprestes.
E ouvirás canção tão maravilhosa
que, cortando-os os homens,
haverá uma emoção que reste
para contares as teus filhos
que um dia tivestes um amigo
que insistia para que viesses
ouvir a brisa passar entre os ciprestes.