O MEDO DORME

O MEDO DORME

Início de madrugada. Noite fria.

Um ônibus claudicante:

São Paulo é uma tortura gélida.

O frio me parece ser a mais nova

peripécia do medo comum/diário.

No cérebro, insaites imprevisíveis.

Tudo vai e volta, lenta agonia constante.

Nas ruas, no frio, no asfalto e sob marquises

:bêbedos, policiais, marginais, cães e mulheres

se amontoam, aglutinam; escoram-se, protegem-se.

De seus corpos emana fumaça e fedor

:tão iguais e indescritíveis.

-José, teu filho nasceu homem.

O mundo prossegue. Lentamente se ergue

sobre escombros e tiros anárquicos.

Nada se estatifica para contemplar

ou pensar. Nada pára: investe.

Apesar dos perigos, dos contornos

e esconderijos insistimos em viver

Em vir e ver.

Pela janela embaciada, semi-quadrada

vejo as imagens e guardo impressões

que me fazem sentir emoções:

sou todo corações

Um medo sonoro, auditivo, descabido

nos fustiga. O medo ronda as ruas.

Os olhos abertos, fixos, hirtos

contemplam o solitário motorista

sonolento que amassa o seu pão

de cada noite.

A todos vejo. A todos observo.

O medo ronda os corpos.

Início de madrugada fria

e um ônibus deprimente.

Cabeça apoiada nos medos e receios.

Pouco a pouco os olhos se fecham,

tranquilos, pesados:

mergulho em um sono profundo

Sono medonho, descabido

que apenas traduz minha

imensa confiança no mundo