O MEDO

O MEDO

Não tenho palavras.

E se as tivesse não as diria a ti,

a quem tenho poupado de mim.

Tenho poupado teu coração

das minhas horas vazias de vida,

dos meus momentos de morte contínua,

do meu viver por obrigação da vida.

As palavras que não tenho

diriam à tua alma pacificada

que vivo em guerra sem trégua;

que o inimigo tem se infiltrado

ao longo dos anos e desconhece armistício

As palavras que não quero que conheças

diriam que tenho andado opaco

de alma nublada: pés na terra

coração apertado por mãos do nada.

Queria te confessar que assombro-me

ao me ver menos homem e mais coisa

com as emoções soterradas pelos escombros

do que fui um dia sem esperança de salvar-me.

Os olhos feridos de tanta escuridão

vêem uma fresta de luz que não alcanço

apesar de descarnar as mãos escavando.

Não consigo ressuscitar dentro de mim

coisas que me façam sorrir

Escrevo cartas a mim mesmo

na esperança de que cheguem-me missivas

contando novidades de alguém que há muito não vejo

para ter boas notícias que possa contá-las a ti.

Quero que entendas que não provoco meus demonios

que não açulo meus fantasmas

nem convido essa tristeza para sentar-se na sala.

Queria que percebesses que existe vida nesse Marte

e que esse gelo poderia ser água gerando vida

para quando tu chegasses para habitar-me

Não tenho palavras para confessar a ti

que estou exausto de mim

e que só resta dedicar-me a mim

para salvar algo que possa entregar a ti

na tentativa de, um dia, feliz.

Por favor, entenda que se não posso amar-te

não é por não querer amar e sim pela impossibilidade

de fugir dessa tristeza à espreita

que ronda meus dias e horas

aguardando o momento certo de atirar-se à presa

e que tenho que manter-me tenso e aflito

para evitar a precisão de seu bote.

Tornei-me, infelizmente, a caça indefesa

que apenas tenta evitar a avidez da morte.

Não tenho palavras e se todas elas tivesse

não conseguiria traduzir nelas o idioma do medo

que aprendo todos os dias e apenas guardo:

conhecimento inútil que me torna o gentio

em terra desconhecida e nenhum amigo.

A ti pouparei de mim

Não direi palavra que soará língua estranha

aos teus ouvidos esses meus estertores

tentando escapar salvo e são de meus temores

Não serás capaz de entender que apenas sofro

e que para sofrer assim não é preciso aflição

ou motivo: basta estar vivo e não ter palavra

para traduzir essa dor constante de clava

que contunde, fere, abate, sofre mas não mata.