O EREMITA
O EREMITA
Sabes, quando me vem, subitamente,
no meio da noite, essa angústia no peito
esse silencio pela casa, lacerante,
sem os ruídos familiares de água escorrendo
filhos falando, pratos entretinindo,
dá-me na alma um silencio de vida
um aperto no coração que quase sacrifica
o que pouco anda, fala, o resto que fica.
Posto-me à janela a ver e invejar os ruídos urbanos
os carros passando em acelerado,
as pessoas se encontrando desesperadas
os beijos céleres, quase de gozo imediato.
Da janela vejo o mundo que rejeito
para evitar que se amplie o vazio no peito
já que a mim não pertencem essas emoções
dos que vivem a vida de outro jeito.
Sabes, nas noites que passei à janela
à espera dela, de seu quase flutuar pela rua,
desesperei-me por saber que não viria
por saber que era tola a espera
como são tolas as esperas de todos os dias.
Debruçado na janela, aguardo como milagre
não mais, repente, sua imagem
mas apenas uma mensagem de alívio.
Onicófago, corrôo as unhas nessa espera sem sentido
que dentro da casa há apenas lembranças
quando ansiava manso olvido.
Cada cômodo, cada canto, cada parede
guarda uma imagem de desencanto
de tudo aquilo que fui e construí
Hoje, falta-me a coragem para enfrentar
o homem que erigi para abster-me de mim.
Nos dias, arrasto um que não sou eu pela mão
para mostrá-lo aos amigos, fazer-me parecer-lhes igual.
O homem que puxo aos trancos, nega-se à cena
e acena-me gestos desesperados pedindo o sossego
da casa, a calma da janela; implora-me que lhe tenha pena.
Obrigado pela necessidade de ser algo que não sou
enxoto-o para as ruas e vigio cada passo seu
para que não me traia pela desprezo que lhe dou.
O homem que não quero ser, construo-o da necessidade
de enfrentar as mazelas dessa vida de cidade.
O homem que tento ser, sorri às voltas com todos
sem importar-se com o quanto sofro.
O homem que fui, d'algum mezzanino,
observa das sombras meus atos de menino.
O homem que sou, pleno de lógica, isento do amor
suspira da janela suas tristezas tentando escapar da dor.
Construindo mimetismos de mim
salamandra enganando o inimigo
arranjo ferramentas para escapar do perigo
forjando homens que parecem-se entre si
Assim carrego o fardo dos dias
Assim suporto a dor de não ser o que sou
Quando sózinho, apeado de minhas montarias
no silencio, debruço-me à janela para minha agonia.
Quando o silencio é demais
milagres espoucam, espontâneos.
Na espera de um deles, um só que seja capaz
de livrar-me do martírio de fingir estar em paz,
é que deito-me à janela que dá para o mundo
no aguardo de uma visita que abstenha-me de tudo
que me carregue para longe desta terra, desta janela
para uma terra onde as emoções não sejam um absurdo.
Sabes, às vezes sofro nessa espera vã
por saber impossível esta visita tão querida.
Mas preciso lutar, fingir, aguardar, insistir
para que não me pareça tão sem sentido
o que me resta da vida