INTROSPECÇÃO VESPERTINA
INTROSPECÇÃO VESPERTINA
Posso, nessa eternidade de
Tempo finito e findo
Colar o rosto no travesseiro
E deixar que medonha
Me transporte.
Ou sorrir, como sorriem os
Marinheiros, quando desatraca
O barco para o vazio.
Posso, envolvido nessa modorra
De meia-tarde, debruçar meu corpo
Na janela enfumaçada e
Suja de fuligem para ver os cães
Dormindo ou respirar o ar
Semi puro que as árvores raquíticas
Produzem, dando o que podem: fracas,
Parecem tão soberbas para os fracos.
Posso, na noite que se apresenta
Tímida, primeiro vermelha; depois
Negríssima, soltar o urro do
Animal ferido no dia do caçador.
Ou tão simplesmente engolir em seco
Saliva sangue tristeza dor.
Também posso fugir desorientado
Fingindo não estar sendo caçado.
Posso, vencido pelo desafio
Saudar o Deus dos tecnólogos
Que espezinha os românticos
Gritando: salve a Técnica
Ocidental. Ou brindar a derrota
De um grito de alerta sucumbido
À lógica dos estudiosos
Visto andarem os românticos sumidos.
Posso, na noite imensa que se deita
Sobre o tempo delatando as estrelas
Convidar meus fantasmas à degola
Saudando-os com mãos de guilhotina,
Sabendo que ressuscitarão dia próximo.
Posso nada do que quero realizar
E buscar a inadiável que rejeito
E desejo.
Posso decretar armistício;
Sair, ouvir comício;
Sorrir como se não houvesse precipício;
E brincar: novamente, outro inicio
Ou nada disso: ligar a televisão
Sem refletir sobre o tempo
Que foi e está sendo perdido
Numa sobrevivência sem sentido
Como nos filmes que assisto
Sem a possibilidade de videoteipe.