INTROSPECÇÃO MATUTINA

INTROSPECÇÃO MATUTINA

Às cinco horas eu nasço.

Troco de alma, cor, gosto

E me acrescento ao burburinho ainda pouco

De pés pernas calcanhares

Que nascem para o dia

Procurando seus lugares.

Sou mais um sumido de casa

Assim como os outros que andam

Calam, consentem, enfim, vivem,

Também estou vivo, eu sei.

E nasço.

Há tempos estou fora de casa

Longe da rua onde explodiam rojões

Longe da noite silenciosa na terra de verdade

Onde o que se ouve é vida latente

Pedindo para dormir.

Há tempos estou longe da vida que parecia vida

E hoje, aparecem, vindas do longe, lembranças

De quando era vivo, era homem

Sendo criança. Crescendo inocente

Por detrás de cantos rudes

Que alimentavam minha alma crente nas coisas

Invisíveis e indivisíveis.

Eu, hoje, às cinco horas, apenas nasço.

Nasço às cinco em ponto

Estremecendo em cada nascer cotidiano

Morrendo um pouco em cada nascer diário

Quando nasço para a vida que não é vida.

Desato-me dos laços, nós apertados, dos braços amados

Onde sonhei que era feliz noite adentro.

A mulher companheira, amante, bem falante

Conta dos seus amados que se foram

E que se vão como passageiros visitantes de estrelas

E que não mais viu (Vera) enquanto viver;

Tecia no abraço deles teias para descanso alheio

Às cinco nasço, em ponto.

Há tempo dei adeus ao meu povo

Á amada, um beijo na porta: até a volta:

Mas não voltei. Clamei que não havia passado

Aprendi a viver o presente

(que sempre se repete com novas caras)

o futuro sempre foi coisa incerta que me encontrava

desguardado, desarmado, sempre me surpreendeu.

O futuro, logo após, se tornava passado

Coisa que eu cismava de não existir.

Achei de cantar na beira do mar

Falar da viola enluarada

Que se tornou lira enterrada nos concretos

Que não me deixam dormir, nem cantar.

Por tudo isso, eu nasço. Às cinco.

Vou construindo (ajudando) as aldeias

Erigindo troféus de granito e vidro

Que ocultam meu grito de tristeza

A socos no sereno, vou amando os doces abraços

Que me resguardam do cansaço.

Destruo. Faço embaixo com cada gosto cor minha

Desnudo-me por completo na solidão do quarto.

Crucifico-me na parede, sem necessidade

Faço verso novo e o detesto e o apunha-lo

Sentindo o sabor de seu sangue quente nos lábios

(meus versos estão carregados de vida)

que em mim constroem um rictus de dor e crueldade

no rosto, até, agradável.

Nasço ás cinco e vou à cidade.

Confundo minhas carnes com a massa

Desapareço na multidão

Troco as vestes, empunho o branco do meu medo

(que me dá a beleza, ânsia de negá-lo)

apareço nas esquinas sem ser notado.

Vigio cada avenida rua asfalto

Até que se cansem os olhos da atalaia

(De tanta sofreguidão solidão à toa)

desmaiando, espreguiçando na passarela

:rua de vivos mortos zumbis fantasmas reais.

Assim, morto, ressequido, triste, me carregam

Aos braços amados, sonhados, apertados

Que me apertam e contam d´outros amados

Que se foram e que se vão, eternos,

Virando lembranças.

Debaixo de tais abraços, adormeço, morro.

E nasço às cinco em ponto para morrer de novo.