OS QUARENTA & A GUITARRA DOS DIAS

A mesa de bar sabe dos rabiscos,

inquietudes, cochichos, catarses.

Masmorras em plenitude

na guitarra dos dias.

Mergulho sempre doloroso,

choques emocionais fazendo lucidez.

Encanto: foz dos riachos sazonais.

Curso melodioso, traída harmonia,

direitos desumanos por amor:

o fio de sangue após a bofetada.

Contenção de águas, de ternuras,

terras altas sobre o leito de planície

transitam o curso do querer.

Somos, assim, o cursor fugaz

no olho da agulha.

Estreito, mas necessário à costura.

Porque a arte de viver

em si já tem o seu tanto,

o néon estrábico que os olhos bebem

há tantos anos.

Liberdade traduzida num queijo fétido,

a lira dos quarenta?

Parece ser sempre a última,

a geração a que pertencemos.

Mas ao vivê-la, nunca somos os últimos.

Do livro OVO DE COLOMBO. Porto Alegre: Alcance, 2005, p. 56.