HEROÍSMOS
HEROÍSMOS
Passo minha vida em branco.
Completamente em branco.
Branco da paz gorda e refastelada
de domingos remunerados
de salário garantido.
Minha vida é livro aberto
de páginas em branco
que o tempo amarelece folha por folha
e passa ao acaso
com sua força branca dentro da casa.
E ter a vida assim, branca,
é como se sempre me houvesse
alimentado apenas de água
e a cada dia a sede aumenta
dentro da pele branca e espojada.
Nao tenho gl¢rias que possa contar.
Minha bandeira é a do armistício: Branca.
Nao tenho momento de covardia
que me tenha feito mais covarde que os demais
constituindo, com o excesso covarde, alguma glória.
Meus atos de heroísmo o livro os conta.
Meu diocídio é como o de todos.
Sou normal: falo, ando, descreio,
nunca matei ou morri.
Nunca morri em nenhum instante!
E essa falta de alguma morte me devora.
Minhas raras virtudes conto-as em u'a mao.
Minha côr é a branca.
Meu ofício, realizo-o no branco pagao.
Nao tenho um deslize sério qualquer.
Nauseia-me tao pura paisagem.
Minhas horas foram passadas em branco
e meus dias sao omissos.
Meu coraçao ‚ lentidao,
minha cabeça, delírio,
meu corpo, libido.
E ninguém a mim se parece
tao branco, ridículo, limitado, S.A.,
sem gozos maiores
sem pátria amada
crendo-se feliz por uns versos comuns.
E agora, neste exato momento,
meu coração é a libertinagem burguesa
que senta-se à mesa
com alma de cimento
e braços sobre o alvo linho.
Sou uma cadeira
sobre a qual muitos apoiaram os pés,
subiram, descansaram pesos
mas que nunca teve sobre si
a majestosidade de uma bunda verdadeira
para deixar de ser qualquer coisa
e ser uma cadeira.
Espero que me descubram (desculpem)
que me impregnem de algum sentido
para que sintam
que nao suporto mais a náusea
dessa vida de resignaçao
de homem polido.
Abaixo a omissao
que me faz brando
branco(lívido)