AUTOPOEMA

AUTOPOEMA

O homem sentado na poltrona verde

Bebericando Vodka com laranja

Não sou eu.

Não sou o individuo gélido

De óculos negros no final da tarde

Fitando, impassível, o diacídio;

Que tem nas mãos Heidegger

Sem o menor sal.

Não serei eu o sujeito forte

Que renega paixões

Em frente à fogueira.

Não! Nunca serei o homem coxo

Arrastando sua história

Sob lamúrias.

Definitivamente não serei o higienizado

Homem na idade do através

Sobre o ouro.

Não sou o homem sentado sobre o ouro

Não sou o homem sentado

Não sou o homem

Não sou

Não

Sou.

Não posso ser o homem que calcula cada passo

Decidindo-se pela dose de furor

A jogar sobre o advir.

O homem sem surpresas

Conhecedor das respostas

Que adivinha perguntas

Ouve por educação

Sem indagações.

Não sou o homem sem perguntas!

Não posso ser essa coisa insurpresa

Que diz pensar quando prenuncia;

Que premedita a estupefação

A uma palavra de amor

Ou de um palavrão.

Esse homem sustenido na tarde clara

Não possibilita que eu o seja

Ser sem rupturas

Sem acidentes

Sem pontas

Não sou eu.

Não! Não posso ser eu.

Essa coisa barata, emotiva

Emocionada com uma frase

Uma cena.

Esse ser todo ouvido e cego.

Serei eu essa masmorra de carne

A refutar investidas

Esclarecendo sentimentos com razão?

Essa traça que devora

Livros em sofreguidão.

Se sou eu essa massa fórmica

Que não passa despercebida

Como posso ser eu?

Como posso ser o indivíduo sem sonhos

Enfrentando estóico qualquer emoção?

Desconhecedor da palavra felicidade

Dos sentidos = coração?

Como posso ser o par de olhos pequenos

Investigando o dia

Decifrando a multidão?

Serei a expressão dura e fria

Despojada de mudanças,

Sem qualquer alteração?

Sem qualquer Deus?

Sem abismação?

Existirá o pseudo-revolucionário

Herói paramatar

Covarde para morrer

Incapaz de erguer qualquer estandarte;

Incapaz de adesão

A idéias de qualquer parte?

Serei de verdade esse soldado

Que passa pela entranha do rendido

A lâmina do sabre

E define o gemido?

Serei essa falta de resignação

Sem paciência

Pura observação

Da triste covinência?

Serei o homem solitário

Resfolegando no travesseiro

A ausência da falta

Por saber-se incapaz de entregar-se

Além do crucial momento

À presença que o ama?

Serei essa peça infalível

Que não se arrepende?

De arestas aparadas

Que renega família e camaradas?

Serei essa ausência de desejos?

Essa fria superfície convexa

Carregada por algo que não se vê?

Não sou

Este homem

Sentado no sofá

Mastigando

a

tarde.