AUTOCONFRATERNIZAÇÃO

AUTOCONFRATERNIZAÇÃO

Fechadas as portas

Deixada a chuva lá fora

Solidarizo-me comigo mesmo.

Não me culpo: mea culpa, mea culpa

Mea culpa: bater no peito ocidental.

Autoconfraternização.

Não me castro das emoções e desejos

- tão comuns e normais – sentidos

nesta noite sabatina.

Não. Nada como a consciência

De invalidez perante o mundo.

(se fosse pintor, criaria em enorme painel

um mundo de cadeiras de rodas

vazias)

Sentado no sofá, os intestinos esvaziados

a alma mais calma e aconchegada

posso fumar um pouco

e até rir baixinho, como um louco:

louca consciência de invalidez.

Tomada consciência

Acalmados os órgãos

Lidos os livros

Sabida a noticia: não me culpo no rictual

Do mea culpa, como se houvesse

De fato, penas a cumprir, pecados a salvar.

Sou figura patética

Perdida na multidão.

Não consigo compreender a cidade

Que se molda às invenções

E muta constantemente.

Não a amo ou odeio:

Solidarizo-me com ela

Que, como eu,

Não pode impedir nada.

Solidarizo-me com a cidade,

Comigo, com a chuva, com tudo e todos.

Sou uma figura hipotética

Como nos jogos de matemática:

Postulados, hipóteses, hipotenusas

Sem, na verdade, nada representar.

Calculam sobre mim.

Apenas faço-me alvo.

Os gênios criam armas

Os econômicos lucram

Os pensadores filosofam.

Todos dentro de sua importância

Imponência

Impotência.

Eu. Aqui. Desvestindo-me,

Chego ao saldo do meu balanço.

Pelos déficits e superávits, noves fora:

Nada.

Assim, conformado, largo o copo

Apago o cigarro e a luz.

Deito-me. Como Dimitríus, a cabeça

Cheias de naves repletas de dias suaves:

Talvez seja cedo ainda para uma

Estimativa exata de lucros e perdas.