ATALAIA I
ATALAIA I
Meu coração é excesso de harpa
e arma
enquanto atravesso a chuva noturna
com uma impressão de angústia
oblíqua que se abate duplamente.
Procuro sinais de vida atrás dos vidros
mas, parece-me, todos os cidadãos
estão abrigados, de janelas fechadas.
Além da chuva, há o medo, esse infante.
Procuro apenas sinais.
Em quê, além da segurança do lar,
pensarão os viventes desta cidade
em noite chuvosa como esta?
Remendado de milhões de progressos
estampo medíocre e curiosa figura
que horizontaliza a oblíqua chuva
buscando sinais na madrugada.
Sei que não dormem todos.
Há que haver um ser desperto
nesta noite. É necessário que...
Há, lá estão, à frente, meus repentes
de imediato encontro com quem
entenda tais e tantos sinais.
Sigo pelo asfalto encharcado
inundando os pés de notícias.
Na estreita viela que vai dar ao Paço
encontro lugar seco e quente.
Mais à frente, um café, duplo,
com conhaque e vapores aconchegantes
Nos intervalos da xícara à boca.
Olhos presos à senhora que me atende
desvendo universo de pequenidades,
de sacrifício eterno de viver
e penso não descansarem em paz os heróis,
os mártires nem os covardes da terra.
Com os olhos corroídos pela visão
das mãos no vai-e-vem de colheres
e pires sob a torneira, desvendo
uma perspectiva de incertezas,
de trem lotado, de prazer negado,
de mãe prostituída, de filho insão.
O cigarro desafia o vento
que carrega para a chuva tudo
o que há e existe atrás dessa mulher
que lava xícaras e serve café.
Para a chuva e vento ela não existe
e eu nada sou além de obstáculo a transpor.
No Paço, relembro a história aprendida:
realezas que partem, mofos que ficam.
A pátria mofa num canto do planeta
seus homens e mulheres que angustiam
Pátria, Nação, Estado: utopias decentes
neste lado sul do ocidente
embalado pelo ‘’ blues da piedade.’’
Os heróis dormem, infelizes, a pedra
dos anos que os soterra junto aos comuns.
Na certa, dormem incomodados
com tal presença obscena às suas mortes:
a miséria repugna-os.
Diante o mar, imagino caminhos ao mundo.
Embalo-me vendo as ondas.
Lanço ao mar um brado de liberdade,
urro de dor, grito de desespero
que o vento carrega e a chuva lava tanto
que chega ao Palácio transformado
em melodia que acaricia o sono
daqueles que devem, além de poderem.
E quando meu berro lá se instala
toda a pocilga se ergue e aplaude
a patriota dor como se dor não fora
e sim o artista em sua arte.