As Parábolas de um Salgueiro Solitário
Olho a vida de soslaio
De frente encaro o mundo
E é nos vultos que sobram sombras
E sobram pessoas nas vielas
Sobram folhas no final do livro
Mas são folhas de um salgueiro
Roubadas pelo inverno bruto
Ou por um pássaro arquiteto
Que projeta seu lar na laranjeira
Olho a vida de óculos escuros
Pois minha retina é sideral
E minhas pálpebras cansadas de dormir
Escondem cílios de um Neandertal
Escondem livros velhos no sopé da prateleira
E as revistas ilustradas carregam tintas
Carregam o verbo eclético literário
Ou apenas folhas de um salgueiro
Envelhecidas no ninho de um avinhado
Olho a vida estendida às estrelas
Passeando em céus noturnos
Passeando pelas águas turvas do ribeirão
Onde o gado mata a sede
Onde o homem mata a fome
Tira a água e tira o peixe
Tira para colares mil escamas coloridas
E um tempo sentado à sombra do salgueiro
Ouvindo o trinar do nobre curió
Olho a minha vida nos espelhos
Dias côncavos ou convexos
Dias frios onde ruge o temporal
E sacode os galhos centenários do salgueiro
Arquiteto mor na laranjeira protege a cria
Avinhado alvoroçado em bemóis estridentes
Eu aqui na varanda da galáxia
Contando causos e lendas da floresta
Para um velho e bom ouvinte jabuti
E nas parábolas de um salgueiro solitário
Refugia-se uma imensa variedade de vidas
Eu me refugio em poesia
E o vento matinal afaga-me a barba cerrada
Enquanto isso em outra dimensão
Um velho sábio toma seu ônibus espacial cotidiano