ABDICAÇÃO
ABDICAÇÃO
Minas espera(não sei se ansiosa)que eu volte
Regresse pelos mesmos caminhos
Já percorridos na ida e cansados
De tanto serem trilhados.
Minas espera(não sei se saudosa)que eu volte
Mas Minas tem a certeza de mãe de filho natimorto
De que não voltarei.
Quando o barco atracou no último porto
(parecem tantos, os anos)
o velho marinheiro falou da tal terra
tanto prometida e sempre negada.
Com ele, perdi as esperanças de um dia voltar
Para matar saudades da rua onde cavalos pastavam
(o quintal, hoje, não possui mais árvores e todas
as minhas coisas foram de lá retiradas a tempo e espaço)
da velha goiabeira
o pé de jabuticabas
o abacateiro! Tantas imagens que são lembranças
flutuando em mim como telas inacabadas.
Talvez o inconformismo(palavras grandes e incompletas
Essas, as terminadas em ismo)com a distância e o tempo
Seja a causa da minha absorção no silencio da saudade.
Aqui, deitado em uma cama rangedora
Esbarrando em pernas, braços e rostos
Deixo vaguear em mim tudo o que se chama realidade
Debruçado em mim mesmo
As tripas dobradas, os abdominais colados
Pareço um grande feto
O grande feto que eu seria se fosse realmente feto
Parido pela noite e acompanhado pelo tempo
Que nunca me deixou.
Uma lua de hora certa me lança raios amarelos
Que penetram pela janela, alumiam meus chinelos
Clareiam o quarto e saem pelo corredor
Iluminando todos os meus pensamentos
Agonias, insônia, sorriso, preocupações
E todas as outras muitas coisas que,
Simples ou complexas,
São, no fundo, somente coisas: passíveis de fim.
De repente, agora, no meio do verso
No centro da sala, no clímax da noite
Percebo que o amanhã é um novo dia
Sempre vindouro e que necessito dormir
Para não padecer infernos no amanhã que virá.
É preciso estar descansado para garantir o pão.
Triste, deito a caneta sobre a folha
Abraço quem diz que me ama
Fecho os olhos
Pensamento voltado para Minas que espera.
Minas que não me espere mais.