A MOÇA DO ANDAR DE CIMA

A MOÇA DO ANDAR DE CIMA

Meus amigos andam apreensivos

e bebem em grandes quantidades.

Estão desesperados, e lhes digo:

Não há como filtrar essa idade

dela obtendo líquido cristalino,

puríssima beberagem benígna

que nos enlevasse em calma d’spírito

e nos desse paciência para seguir.

Meus amigos andam reclamando

revoltosos, falam insurreição.

Eu, quieto, fumo cigarros caseiros.

Eles têm razão para arrotarem azedo,

quebrar o bar, trucidar a paixão.

Eu melhor me acomodo em meu canto,

acendo outro cigarro doméstico

e digo palavras de ódio e tristeza

pensando na moça do outro andar.

Meus amigos e eu estamos demais céticos

transbordando descontentamento e cervejas

Não nos cansamos, eu de escrever, eles de falar.

Enquanto discuto da infiltração

de outros segmentos no partido

rogo a Deus sua intercessão

dando fim ao assunto revivido:

O governo traiu as bases,

ganhou a eleição e traiu os companheiros.

Lembro-me de 30 moedas e Judas de fraque.

Nós, juventude socialista, puro desprezo.

É preciso coar, d’entre nós, os chaguistas,

estes são os piores, câncer em crescimento.

Depois os outros, purificar a alma social.

Lembro-me da morena do andar de cima

De quem não sei o nome ou no. de apartamento

e diria: camaradas, necessitamos mudança total.

Mudança de bases, de ídolos, de aspirações

renovarmos o estoque de ideais;

curemos as feridas criadas pelas traições

e reunamos o que resta intacto.

As palavras que diria descem com cerveja

e penso: no fim da vida serei, realmente, insípido.

Por enquanto estou purificando o que é daninho

buscando um eu de maior lucidez e clareza.

A moça do andar superior não passa

Os amigos andam muito desconfiados.

O remédio é pedir uma cachaça

subir e crer estar muito preparado

para os sonhos e pesadelos

com os amigos vestidos de medo.

E comigo: indecência que desconhecia

ansioso pela moça do andar de cima.