O silêncio do poeta

Breves instantes de feliz brandura

de passageira perfeição e riso.

Bocados conseguidos de paz e realização

imponente momento de lucidez

hino curto de silenciosa poesia

choro sem prantos nem ruídos

mares mansos sem ondulação...

Homens justos

que dormem as noites

sem cumplicidade ou medo...

futuras mães que se deslocam felizes

preocupadas

misteriosas...

Roupas que secam num varal

brancas,caladas e inofensivas

leves brisas

que fazem desprender

folhas secas dos ramos rugosos...

Folhas que são pisadas levemente

pelos passos dos velhos...

Crianças que brincam

com o alheamento próprio dos inocentes!

Homens que se alheam

brincando inocentemente com a existência...

Existências inexistentes

sem peso

sem palavras

sem sonhos

sem gritos

sem serem...

Poetas que rimam com fé...

Que choram imbecilizados

embrutecidos

e machucados...

Mas sempre com fé

sempre poetas

sempre sonhadores

sempre criativos

sempre sendo

existindo

falando

gritando...

Gente emocionada que observa

e sofre desmedidamente

olhando a triste realidade que os circunda...

Da qual não fogem

não simulam fugas

e não inventam desculpas...

Gente sensível que fica em silêncio

que lhe entende a linguagem

e que sabe conversar meigamente,

com o vazio que é forjado

pela passagem dos que não entendem o silêncio

que nada tiram dele

e que o temem

por ele ser capaz de lhes revelar

tudo o que não seriam capazes de encarar...

Jacinto Valente
Enviado por Jacinto Valente em 10/02/2007
Reeditado em 18/02/2021
Código do texto: T376250
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