De vez em quando

De vez em quando

sob as manhãs claras dos meus sonhos

a infância brinca com o tempo

inventando bolas de gude,

futebol em campo de terra,

pés descalços,

pipa no céu,

ilusão

De vez em quando

sob as manhãs delicadas

a brisa traz um céu azul novinho

sobre o mar que eu não ouço, mas sinto

As ondas voláteis e mudas esbatem-se

na areia das praias de eternas soledades,

adejantes quimeras,

ignotos caminhos

De vez em quando

sob as manhãs se derramando em dourado

as cores desenham as paisagens flutuantes

as flores, versões das brisas, esplendem

no silêncio imanente da ausência solitária (só eu escuto)

no passo úmido das lembranças

que se movem e olham

e ressoam o eco do imenso oceano vermelho da aurora

De vez em quando

sob as manhãs vermelhas

sob a palavra presa ao ocre

das miragens dos desertos

invisível luminescência

o dia reinventado segundo a sensação

e o acaso rendilhado pelo vento

traz, tão lento, as velas de volta ao cais

De vez em quando

sob as manhãs do meu pensamento

brilha uma última estrelinha

tão longe e tão pequenina

contando histórias e poemas partidos

de letras mal decifradas

de um amor de verdade

que só existiu, antes, em mim

depois, neste silêncio de ontem

De vez em quando

sob as manhãs que nascem enquanto a chuva cai

molhando devagarinho nosso destino no labirinto

molhando o vento que rola na paisagem

e aquele amor que se parecia com o mar

e que se perdeu na passagem das horas

como um perfume derramado

que invade a alma e evola-se pelo ar

De vez em quando

sob as manhãs onde soluçam levemente os meus sonhos

que dirão quando não partem e me espreitam nas ruas

onde você passou?

Como esquecer se teus passos fizeram das calçadas

saudades mudas para eu ouvir?

Lá fora ainda há uma tarde escorrendo lentamente pelo dia,

transfomando a nostalgia em inatingível eternidade

De vez em quando

sob as manhãs que ondeiam sobre o mar

que guarda tão singelamente o teu olhar

da onde brotam as cores do dia

e a semente deste sol vermelho em grãos

sob as manhãs onde os pássaros alardeiam o novo dia

e chamam a fome do teu nome

para ressoá-lo em versos numa doce barcarola

De vez em quando

sob as manhãs de um outono vindo do mar

as gotas de orvalho tecem as alvas rendas de linho

na paisagem insondável dos lírios esculpidos no ar

onde meus olhos podem embeber-se da aurora

e o vento que passa seca a lágrima que ao longo da face

perpassa mares acetinados

e mergulham versos formosos na noite que dorme ao longe

De vez em quando

sob as manhãs feitas de leves marulhos

por entre a neblina e a vertigem do sol

os poemas são pedaços de um tempo que não termina

e se repete sem ser o mesmo

e me revela sem ser o signo

e me acalenta sem ser o sonho

e subsistirá a mim depois que eu me for