Manhã de outono

Um movimento lesto da minha mão

um simples gesto trocado em vão

com o alvor enevoado da madrugada...

Um riso esbatido contra o frio denso

e o adeus singelo

e a despedida

calma e terna à noite que se vai...

No choro sincopado da chuva triste

surge o ser amadurecido no teu corpo,

que se ergue soberano sobre mim...

Rústica criatura corroída pelo esquecimento,

pela atroz indiferença dos dias,

que rumam ao encontro do crepúsculo...

Não devo mostrar-me a ti, manhã...

Não posso pensar que mereço acordar.

Sou tão indigno que choro ao desejar-te.

Por isso fugirei para bem longe!

Para onde as manhãs não nasçam como tu...

Tão lindas

tão puras

e tão necessárias...

Irei depressa para lá chegar vivo

e para que o arrependimento não faça

com que eu infeste o teu ar virginal...

Correrei cegamente para atingir sorrindo

a manhã cinzenta e penumbrosa que mereço...

Para atingir a paz de morrer numa manhã de outono!

Jacinto Valente
Enviado por Jacinto Valente em 09/02/2007
Reeditado em 18/02/2021
Código do texto: T375287
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