Angústia de outono

Uma folha seca,vítima do outono impiedoso,
voa baixo sobre o passeio molhado,
agoniza moribunda neste dia chuvoso,
e quebra-se por fim sob o meu pé cansado!...

Outras folhas seguem-lhe o cruel destino
caindo céleres dos ramos rugosos,
fragmentando-se e tornando-se num pó fino,
que forra o caminho dos loucos e dos teimosos!...

Seguidamente uma bátega diluviana,
inunda de frieza o coração dos fracos...
E vem um vento forte que me abana,
e uma névoa espessa torna os meus olhos opacos!...

Lentamente as bocas vão ficando mudas,
e as árvores vão ficando desnudas...
Os semblantes estão entristecendo,
e os sonhos de verão vão esmorecendo!...

Os passos dos que passam por aqui,
escoam-se,pesados,na lama das ruas
e um silêncio denso como nunca ouvi,
esmaga todas as naturezas nuas!...

Sente-se no ar uma estranha calma,
mistura de angústia e de forte vazio,
como se algo nos atormentasse a alma,
ferindo fundo,causando-nos um arrepio!...

Apodera-se dos homens uma sensação de dor...
As lágrimas não saem,bloqueadas pelo vento,
os brados não se ouvem,perdem-se no tempo,
e as manhãs nascem escuras,sem alvor!...

Fecha-se um cerco em torno de mim...
Cada vez mais só, eu sinto medo!
Vai morrendo o meu lado lêdo,
e aparecendo o triste, de onde eu vim!...

Imobilizo-me sobre a folhagem...
Torno fugazes os meus gestos vãos,
deixo-me inundar pela outonal aragem
e entrelaço passivamente as mãos!...

Fecho os olhos ao cinzento circundante
e fujo rapidamente, rumo à serenidade...
Mas ainda temeroso,numa agitação constante..
Eu relanço um olhar furtivo ao outono da cidade!...
Jacinto Valente
Enviado por Jacinto Valente em 09/02/2007
Reeditado em 18/02/2021
Código do texto: T375067
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