O gesto perdura

O gesto perdura

na mão suja de terra do poeta

a noite não dorme

na insone madrugada

arrebanhando o dia

o passado afunda

e farfalha a tua ausência

o momento aguarda

o vento vermelho

a porta entreaberta

olha para o dia

que já vai embora,

dormir?

o sol se deita

deixando o frio trançado

ao ódio nas imprecações

com as quais calou seus gemidos,

gritou suas palavras

matando-as ao final

com seu punhal magenta

de indiferença

empoada

foram-se as palavras,

mas

o gesto perdura

no escopo do poeta

no tênue sibilar

do vento passando pela janela

assobiando pelos espelhos

baços

balançando as rendas

e as memórias

incrustadas nas frinchas

das paredes silenciosas

e estreitas

ressonando o barulho da chuva

prisioneira de um céu lento,

pendente da noite

escrita nas garatujas escuras

do imenso escoar que é o tempo nanquim

e seus graves passos negros,

e sua sombra imponderável

suspiro dos astros

vento de estrelas

arcadas ondejantes

onde a amplidão escura guarda

segredos e sons que o meu

coração reconhece e anseia

A flor no vaso volteia

na translúcida miragem do ar

a noite não dorme

ainda sinto em mim

um sol de fevereiro

num outro verão

onde a ausência se esconde

nesta distância ano-luz,

invisível

na seda dos meus dias

nas noites e seus cantares

borrando o passado

enchendo o mundo deste silêncio

que me acompanha

desde a infância

nesta antiga solidão

que me ficou entre a semente

e a flor

que no vaso volteia

ao sopro da brisa que bruxuleia

a luz da vela

e desliza pelas cortinas azuis

da neblina,

na renda ígnea da imaginação

onde o Amor enche cântaros desta flor

que a Alma, prisioneira, chamou de saudade