NENHUM HERÓI USA CAPA

a referência do ser

perdi no pó

sem memória

a identidade é um fenômeno geométrico

cravos bem temperados

espalhados a Oeste do drama

e a Leste do esquecimento

emitem notas fúnebres

e os macacos choram o corpo caído no espelho

no país das maravilhas

o submundo é apenas um

dos muitos infernos

nenhum herói usa capa quando se trata de encarar o medo

as sementes das rosas

deram vermes

vejo no ar o pedregulho

que um dia foi sol

e hoje serve de morada aos urubus

e aproveito a deixa

saio de cena

recolhendo a sombra

e o passado marginal

aonde a longa escadaria nunca foi do castelo

e serve ao tribunal do crime e do castigo macabros

como eu sirvo ao sonho em que o estranho anjo de asas sangradas

planta linguagens inconcebíveis no canteiro em que minhas mãos

aparecem penduradas nos caules das generalidades sem nome

eu ainda consigo enxergar os passamentos,

ainda que as retinas de vidro expressem desenhos orientais

um demônio com a face do delírio guarda a porta do túmulo

que na verdade é o palacete da emancipação das coisas podres

aonde espero, apenas, espero o derradeiro choque

da personalidade que mesmo morta, diz com exatidão

o que ainda sou e um dia farei mais que ser