da embriaguez da poesia

a primeira vez

minha mãe me disse que eu não guardasse rancor

mais tarde, já quase manhã, mudou de ideia

mudou a feição

e eu mudei de casa

à porta do quarto,

disse que eu não deveria esquecer:

esquecesse tudo o que houvera de bom

e o resto cultivasse em mim, tudo em mim,

como um mal que não se pudesse curar

eu mudei de casa

como se mudaram todos da minha rua

como se mudavam todos da minha vida

e lá, pra onde me arrastei,

havia ainda um campo e crianças que ainda corriam

havia um sol de fim de tarde

e um lago onde não se podia ousar

guardei rancor de velhas roupas e velhos hábitos

de antigas injustiças e desfeitas

mas só até os onze anos que se fizeram em mim

gestos e afeições de homem já tão cansado

ainda criança, conheci a poesia, o álcool e o fumo

e, às noites em luas, compus o melhor de mim

em funda poesia que já não se faz

de malas desfeitas

em casas tão outras

de mesma rua e mesma cor

vivi fora de mim grande parte de meus dias

embriagado de versos

um menino já tão velho

mas sem rancor

sem nenhum rancor

Capiau da roça
Enviado por Capiau da roça em 23/06/2012
Reeditado em 23/06/2012
Código do texto: T3740712