da embriaguez da poesia
a primeira vez
minha mãe me disse que eu não guardasse rancor
mais tarde, já quase manhã, mudou de ideia
mudou a feição
e eu mudei de casa
à porta do quarto,
disse que eu não deveria esquecer:
esquecesse tudo o que houvera de bom
e o resto cultivasse em mim, tudo em mim,
como um mal que não se pudesse curar
eu mudei de casa
como se mudaram todos da minha rua
como se mudavam todos da minha vida
e lá, pra onde me arrastei,
havia ainda um campo e crianças que ainda corriam
havia um sol de fim de tarde
e um lago onde não se podia ousar
guardei rancor de velhas roupas e velhos hábitos
de antigas injustiças e desfeitas
mas só até os onze anos que se fizeram em mim
gestos e afeições de homem já tão cansado
ainda criança, conheci a poesia, o álcool e o fumo
e, às noites em luas, compus o melhor de mim
em funda poesia que já não se faz
de malas desfeitas
em casas tão outras
de mesma rua e mesma cor
vivi fora de mim grande parte de meus dias
embriagado de versos
um menino já tão velho
mas sem rancor
sem nenhum rancor