Palavras miúdas

A noite lembra um verso exilado em um

deserto evaporando em demoradas gotas de tempo

em delicados azuis se remontando

caminhando para a tua ausência que se faz

dia após dia,

noite após noite,

madrugada após madrugada,

gesto após gesto,

lembrança após lembrança,

figuras,

origamis,

constelações de papel

evolam-se na maciez da lua

e perguntam pelo teu nome nas noites de não

tudo poesia imorrível

tudo a inevitável dor

que vai rabiscando no medo e no vento

palavras miúdas

versos deixados por um beijo antigo

mas não menos doce que o beijo que vive em mim

tão antigo quanto Pingo pingando dentro do sonho

olhando dentro do espelho os ciscos do passado descalço

aflorando em seus peitinhos

duas estrelinhas para eu beijar de mansinho

num pedacinho de céu molhado

pela nossa saliva

(...)

As tardes tinham o teu cheiro de lolita

e eu te amava (te amo)

como eu te achava (te acho) bonita

teus cabelos negros como a tessitura da noite

teus olhos negros me convidando pra brincar

o teu sorriso que compõe todos os versos

o teu vestido perdido entre os lençóis

nossos corpos perdidos entre nossos braços

teu jeito menina de querer ser mulher

sem tempo

e sem hora

só o perfume que o sol deixava na tua pele

cheiro de sândalo e madeira

teu cheiro bom de menina

poesia...

poesia é teu cheiro

que exala-se nos meus sonhos

que põe estrelas num céu

que é teu em algum canto de mim

na noite que amanhece na tua poesia

(...)

Despe-se o dia das suas flores

dos seus caminhos sem nome

veste-se o dia da sua roupa de inverno

das suas folhas secas,

sorrateiras

Ah, se neste dia que nasce

eu soubesse qual o verso que me aliviaria

qual o verso que se esquiva e se afasta e me dói

por estar escrito na alma

com a tua caligrafia

Ah, se neste dia, olhando pra solidão,

eu avistasse você

sem nos separar

esta distância dos anos

que habita a memória da nossa infância

e este reino de fantasias

todo o impossível se explicaria

na concha dos teus segredos

e no teu colo

onde eu repousava o meu cansaço

e onde semeei o meu amor

de menino

semente que o vento levou

e o tempo teceu absorta saudade

diante dos meus olhos negros dos teus

retintos dos teus

sôfregos dos teus

(...)

Em ritmos antigos ainda te escuto

naquela música que você gostava

e cantarolava nua pela casa

canção que se movia com o teu corpo

entornando sobre mim tua nudez

abrindo os lábios para o outro beijo

que desvelava o amor

e que de amor se faz até agora

meu rumo

meu refúgio

minha vertigem

minha eternidade

neste sonhar consigo