Moleque Desengonçado
Eu era um moleque desengonçado
Inquieto e com remela no nariz
Ficava amoado na minha sabedoria de infância, disfarçado de levado.
Observando e aprendendo
Às vezes mais aprendendo, do que observando
O tempo pegou carona no destino e passou
E ao final aquela meleca e aquele papo já não me agradavam mais
Restavam como uma sopa meio assim...um nada sem sal
Queria crescer rápido
Fazia-me questionar sobre tudo e sobre todos
Queria eu arrogante e intolerante me dessem contas de quantas interrogações pudesse me valer.
E me dessem respostas ausentes de tolices
Não pestanejava em ser moleque
E quando algumas respostas não eram suficientes ao menos para me tirar dessas derivas duvidosas em que me metia!
Logo me tornava atrevido, lúdico e imbecil
Lançava meu calcanhar ponteagudo e inconveniente para lhes furar indefesa às costas dos pés. Não suportava mais rogar por respostas de adultos estéreis
Seguiam-se empurrões e tentativas vãs de que um dos safanões me alterasse o comportamento! Um corretivo quase justificavel aquela altura
Para alguns mais determinados então
Bom seria me fazer defunto e meu corpo ferver à grande temperatura.
Ao final porém, por sorte ou por herança, restavam apenas o carinho obtuso de algumas dicas...
Muleque do caralho! Quieta o facho, senta numa cadeira, engole uma caneta com tua mente fertilzada a pensamentos e vai escrever sua história pro diabo. Filho de uma égua!
Não escrevi nem ao diabo, nem a deus
Mas confesso, não sei a quem, pautei-me dos dois vez ou outra
Nasceu assim aquela minha busca sem fim, procurando decifrar os segredos da chama que nutre a luta entre o bem e o mal
Mas que muleque é esse?! Atrevido!
Que sonoras vezes lhe fiz ralhas, rebuscados e parafusos?
Mas não tem jeito!
És mesmo um escoteiro das palavras...
Faz então moluque do cão sua prece de ateu, tendo como padrinhos deus e o diabo
Escreve tuas façanhas, tuas dores e revela teus prazeres
É possível que o tenha feito a vida toda! A vida...
De fato, essa vida frouxa e comprometida ao mesmo tempo
No mundo confortável do Ter e sobre seu lombo não me fez passageiro
Ando a pé até hoje.
A vida que tenho
Me fez sinônimo de purgatório
Me deu atenção somente à loucura
E ainda me desejou banido do caminho que me levariam às respostas
E quem procura respostas
Assemelha-se aquele que esquece a própria dor
Pra sarar outras dores, de outros que também a sentem (sem saber)
E quem procura respostas
Quer calar as bocas violentas
Por isso escrevo
Alguém gritou alto no meu coração que deveria fazê-lo
Por isso penso
Vivo gritando dentro de mim
Por isso
E tão somente por isso
A vida, talvez, não tenha sido tão madastra comigo.