Do tempo e das estações

O inverno vem e inunda as manhãs sonolentas

o céu de junho derrama os seus azuis

nos olhos indecifráveis do mar

as tardes trazem o canto submerso

das estrelas azulando o horizonte

pelas janelas entra a brisa úmida de sonhos

o Tempo ondula em suas vestes de cetim e infinitude

o silêncio é um poema guardado sob as folhas

que cairam e secaram no chão pisado pelo outono

o dia se esconde nos olhos do tempo

a tarde vem no vento desenhando a noite

encobrindo com ternura o mesmo sol sob o qual eu te amava

folhas amarelas ainda caem nos lentos caminhos do crepúsculo

enquanto a noite adormece placidamente sobre os quintais

O ritmo do tempo e das estações e das chuvas

afligem meu coração

Pois

se é a mim que o tempo ignora

se é em mim que as estações doem a falacia do amor

se é em mim que as chuvas misturam-se à possível lágrima

e ao sal que o vento impreciso derrama em espirais lentas de solidão

então,

o tempo, as estações e as chuvas

vertem-se em mistérios nas pequeninas vidraças onde a borboleta se debateu

na enganosa transparência de um mundo que não era o seu

Murmúrio lento

A noite é uma fogueira azul e prata

me chamando

Nesta noite posso ouvir o mar

e me embalar no mar

e me embebedar do mar

e sentir a candura das espumas das ondas

e morrer-se o pouquinho que se morre a cada dia

ouvindo o mar que murmura em quebrados rochedos

a água e o sal escorrem pela pedra dos meus olhos encantados

com o anjo que trouxe a noite silenciosa e plena

No silêncio da tua ausência as palavras inventam perguntas

Quem é esta que ficou no retrato?

Quem é esta cujo nome ondula como miragem no calor do deserto?

De quem são estes olhos que contemplam a flor?

Já não sei

Já não sei de quem são os passos tristes na inquietação dos meus caminhos

se tudo foi ilusão

Agora ficam as entrelinhas

fica esta saudade mendiga

ficam os poemas a escrever

e esta tristeza que inicia tão quieta

gotejando os momentos de te esquecer