Recife boêmio de Selênio Homem de Siqu

(trechos)

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Não encontro parceiro

para conversas de bar

O relato da imundice

das devassas

em segredo de justiça

em segredo cúmplice

os jornais temem publicar

Revelar as anotações

do livro dois da polícia

os vícios dos políticos puritanos

a origem das fortunas repentinas

dos industriais da seca e molhados

um prazer que redime

dos jornalistas os pecados

Não encontro parceiro

para conversas de bar

Expulsaram da noite os boêmios

os poetas os seresteiros

José Gonçalves de Oliveira

tornou-se abstêmio

Selênio Homem de Siqueira

virou místico de vez

Audálio Alves converteu-se

em um santo burguês

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Dos amigos a lembrança

de antigas andanças

Eunício Campelo capitão do Santa Maria

herói de uma revolução que não existiu

nunca navegou nenhum navio

partiu nas asas de uma gaivota

em busca de uma nau

pelos mares de Oropa França e Bahia

Eugênio Coimbra Júnior o último dos românticos

amava os cães leprosos e vadios

Deve estar no céu fazendo companhia a São Roque

Deve estar no céu rezando poesia

com São Francisco de Assis

Carlos Pena Filho ninguém perdoa

a morte estúpida numa batida de carro

Um poeta deve finar tuberculoso

ou morrer de faca e bala

e não a mocidade perdida

numa simples curva da vida

5

Amortalhados na roupa surrada de jornalista

os amigos descansam na colina

Lembrá-los é ressuscitar exumados sonhos

Tadeu Rocha a preservação do São Francisco

rio conquistado das nações indígenas

o rio o sumidouro Abdias Moura

descreveu em livro

Luiz Nascimento a pesquisa

da história de Pernambuco

nos almanaques e pasquins

impressos nas campanhas eleitorais

festas de santo e motins

Adonias Moura a defesa do futebol

como arte dança alegria do povo

e não um escuro fosso de negócios escusos

Para que acordar os mortos

que viriam incomodar os vivos

Talis Andrade
Enviado por Talis Andrade em 08/02/2005
Código do texto: T3721