Maria Joaquina

Maria Joaquina é planta rasteira

que se estende no mais raso do chão,

no mais rente da terra que se vê.

Suas raízes não penetram,

não perfuram,

não adentram,

apenas arranham,

traçam,

sulcam em teias a camada de superfície seca

do mais pobre de todos os chãos.

Seu verde duro de espinhos não chega à altura do chifre

de um bezouro de chifres,

ou da antena

de uma barata de jardim.

Mas Maria Joaquina,

na sua essência pequena

de adubo vivo,

resíduo a um instante do instante

de ser ela própria o solo que nutre

– no qual vermes e anelídeos rasgarão em túneis

o pedaço

do pedaço de terra que é ela,

e que de tudo que é terra no mundo

não é nada mais que quase nada,

Maria Joaquina,

– dizia eu –

tem lampejos de ser muito mais do que realmente é.

Tem ilusões de profundezas e alturas

que na sua cegueira se cravam nela como setas

de pontas certas,

erguendo-a a pódios,

tribunas,

ápices,

picos que, na verdade, não saem do rés do chão,

não se alçam um milímetro sequer acima

das penugens eriçadas

de uma taturana preta,

ou da parte média da pata

de um grilo pardo

(dos pequenos).

Se olhar ela tivesse, seria irônico,

de troça e desprezo.

Se contasse,

seriam vantagens

– seus pronomes preferidos: eu, meu.

Seus prazeres,

os mais distantes do que ela julgaria serem,

na sua estupidez rasteira,

diversões do vulgo,

da plebe,

mas que no rés do chão onde ela rasteja

não são nada mais que um pouco mais que nada,

um pouco menos que quase nada

talvez

do que um picolé a dois

no parque

ao som de um sertanejo qualquer

– nada mais.

E de repente,

sem avisar,

vem o arado,

que corta,

revolve,

mistura

e iguala

na terra

o que na terra vive e morre.

Maria Joaquina não é mais Maria Joaquina.

Se tivesse dado uma flor –

o que seria como uma mão estendida,

uma palavra de afeto,

um gesto de compaixão –,

teria dela algo ficado

de beleza,

de semente boa.

Mas nada disso ficou –

só um gosto amargo,

que logo será esquecido

– para sempre.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 08/06/2012
Código do texto: T3712410
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