Campo de estrelas

O céu era este campo de estrelas

onde os anjos quedavam-se ao eco

dos cânticos que o vento sussurrava

e derramava docemente por sobre os homens

A noite era fria

Final de outono nos olhos esquecidos no encanto das noites

mansamente claras

nos caminhos que a lua desenhava

Feitas de coloridos ninhos de nuvens onde o menino guardava seus sonhos

lembranças de outros olhos

de eternos braços vazios

a caminho da aurora de um velho mundo

Silêncio!

O dia nasce acordando os passarinhos

e riscando arabescos num céu mosqueado de azuis e lilases

Agora resta esta manhã nascida do mar

e da saudade

fragores de um mundo que só existe em mim

e no menino

pássaro azul

na sua alma sem céu e sem flores

mas com seu riso e sua meiguice

encanto da infância

de infinitos amores

não os que tive,

mas os que sonhei

e pelos quais a cada dia morri por não ser você

que estivesse aqui

O sonho eu guardei em alguma nuvem da infância

em algum canto longe de mim

onde o tempo cresce em dor e em solidão

Ainda espero teus olhos

Meus braços são só espera e gesto

dentro dos ninhos de nuvens da noite fria de um outono

sonhado do jeito terno do amor

A noite é meu canto soprado nas tramas do vento

que passou jogando espuma das ondas em meus olhos

levando a tarde para o girassól

abrindo as janelas e portas para que a poesia entrasse e,

de novo, desse sentido à vida e às madrugadas

grão que viu o menino crescer e dentro do que sou inoculou seu tanto de dor

nas frias noites de outono

nas febres do inverno que não dorme

nos dias acesos e coloridos florescendo primaveras

na brisa cálida que envolve as sombras e o azul das hastes do verão

Ainda guardo a ternura do beijo na tua mão

dos meus dedos aquecendo-se nos teus

em um inverno tão nosso

com gosto de encantamento

Reinventamos o sol nos nossos dedos enlaçados

O amor era tão fácil

andando com a gente pelas ruas caladas

por onde o menino agora anda sozinho contando os passos

entre o sonho que foi e a primeira estrela que servirá de poema

para dizer o quanto gostei de ti

Sei que ainda há momentos e cantigas para não se morrer

da indiferença hipócrita de uma primavera que não floresceu

Sei que ainda há momentos

e cantigas

e esta sensação de que o campo de estrelas entrará janela a dentro

e solfejará cançoes devagarinho

que é pro corpo todo saber da despedida do amor

Ai, ai...

Sei que ainda há momentos onde o orvalho e a lágrima

nos ajudarão a saciar a vida sonhada

nos regatos onde solto meus barquinhos de papel

e invento que a ternura existe

como um luar em pleno dia

como uma estrela coruscante

como a palavra faiscada no que deveria ser eu

e nas saudades que me chamam pelo nome da infância

O orvalho ondula suavemente na pétala da flor

A lágrima leva meus olhos silenciosamente

para ver a flor que desabrocha definitivamente

trazendo teu nome à memória

às janelas abertas

às manhãs que descem insuspeitavelmente

sobre o cântico do rio

e sobre todas as coisas suas que ficaram em mim

garatujando a vida

e o sonho deste instante

(eternidade)

(ciranda)

onde a minha alma habita

e onde ficou este amor e a poesia

(solidões)