Vivenciando

Vivo espreitando as frestas desse paradoxo,

dos eus e vocês contidos e compactados;

vivendo dentro dessa caixa de pandora,

prestes a ser aberta para o esclarecimento.

Vivo entre as lacunas do tempo e espaço,

caçando estrelas e vaga-lumes encantados;

desabotoando flores em jardins babilônicos,

suspensos em varais e cabides de um mundo órfão.

Vivo e morro, perscrutando as portas infinitas,

que me levam de dimensão em dimensão;

caminhado por entre os degraus da consciência,

ressuscitando junto aos amanheceres outonais.

Vivo e morro sem pedir socorro, nu e extasiado,

despido dos sete velhos corpos mundanos;

colhendo pirilampos em pradarias galácticas,

e plantando sonhos em um campo de gerânios.

Vivo quase vívido, alucinando as mortalhas febris,

entre as arestas de um organismo quase morto;

pluralizando as células de um porvir existencial,

desmembrado de qualquer entidade desconhecida.

Vivo o tempo das flores, murcho ao sol da vida,

padeço em sede de voos alienígenas, como pluma;

pairo entre os solstícios e equinócios, em plenilúnios,

e abraço os anéis de um sistema planetário em colapso.

Vivo e morro em incontáveis funerais vazios de eu mesmo,

caminho entre as lápides na campa dos asteroides embriagados;

e acendo todas as velas, oro todas as preces antes de partir,

e num entorno místico continuo a minha própria continuação.

Vivo, morro, desintegro e integro o grande Todo,

nessa antiga peleja inacabável, derretendo em luzes

todas as partículas que restaram, germinando o amanhã;

e colhendo todos os destinos que escolhi no meu sono restaurador.