a vida ronda tudo que ama

Corre!

A vida está rondando

A nossa casa

A nossa rua

O mercado municipal

O filho que ficou

Torto de Dona Amália.

Dona Joana

Que se perdeu,

Que ficou velha

E nunca mais beijou

Na boca, ou teve um abraço

Nunca mais amou ou foi amada!

A vida ronda, corre!

A cara de feia de Seu Teófilo

A perna enrugada de Dona

Sebastiana, a boca fedida de Ricardo,

E a cara sem vergonha de Gozinha

E o cigarro que matou Maria

De Jesus Rosa,

A vida é bela, a vida linda

A vida é o amor transgredido

Machucado, arrependido

É a dor que varre

Que varre

Que varre

É o jeito fingido da mulher

De Seus nogueira...

A vida ronda, passa

Olha, não julga

Ultrapassa,

A cidade que está

Um caos, a carestia

A parede sem pintura,

O leite coalhado,

Esse tempo novo

De pouco amor, de muita dor

De dúvida e agonia,

A vida anda, passa,

Repassa, volta, e vê

De novo,

O corpo envelhecendo,

As conversas morrendo

A beleza esfacelando,

E todo um sonho esfarelando...

A vida ronda o velho

O novo, tudo que há

E tudo que lhe é posto,

Revela e some, mostra

E consome, a vida sabe

A vida olha, a vida engole

A vida, o sonho, a infância

A vida ama, e desama,

E meus olhos reclama

De não suportar tanto

Esse chão que é lama....

A vida ronda

Tudo que ama!