O Fidalgo Lobisomem
Conheço aquele homem, dizem ser lobisomem,
despido de maldade, protetor da cidadela;
mas temido virou conto, na boca do narrador,
sofrido por sua dor, privado de sua donzela.
Dizem que em tempos de terreiro enluarado,
ao longe ouve-se o brado, uivado de apaixonado;
lembranças de um fidalgo, infeliz amaldiçoado,
trouxe nas veias sua herança, sua sina, o seu legado.
Dos tempos quando criança, eu ainda tenho as lembranças,
daquela feroz caçada, banindo o pobre moço;
por causa do alvoroço, em dia de uma festança,
tragédia de lua cheia, ceifando o licor das veias;
da filha do capitão, que olhando sem entender,
nem mesmo podendo crer, sua cria ali estendida;
pálida e desfalecida, entregue à morte no berço.
E as lágrimas deixadas em peito rechaçado,
alimentaram desejos de vingança, pela vida da criança;
e a prêmio estava a cabeça do dito lobo, em pele de homem bom,
coração mergulhado em sua sofreguidão, mas atos não são desfeitos;
e agora em sol a pino, somente aquela feição de menino,
banhado em sangue inocente, agora exilado, caçado e carente.
Pelas paragens os auspícios do capitão, em vigília por sete luas,
sangrando os sentimentos ainda recentes, e o gosto da ira pairava seus lábios.
Pelos montes das redondezas espreitava pela vida o fidalgo,
sedento em lágrimas, corroído pela comiseração de sua maldição;
desfalecido pelo amor deixado para trás, sua razão, sua paz.
Oitava lua e o capitão seguia os rastros, andando junto aos seus capachos,
estava entre eles o seu tesouro, restante filho de cachos louros;
a contragosto de sua esposa, que ainda chorava sem mais palavras.
Em um descuido na noite a pino, não via mais o seu menino,
por entre as gretas surgiu o uivado, que lhe deixou apavorado;
o medo então lhe veio a tona, de outra desgraça, perder seu filho,
saiu trotando em disparate, foi quando viu entre a vegetação;
seu filho salvo ali no chão, pelo fidalgo em redenção,
que em sua força descomunal, domou a fera interior;
em atitude de puro amor, salvou a criança de morte certa.
Agora o olhar olho no olho, o lobisomem e o capitão,
entre os dois um choro abafado, e um pedido vem do menino:
-Papai vingança não é o certo, pois esse homem de futuro incerto,
salvou-me a vida neste momento, por minha irmã também lamento;
mas o mal traria somente a sombra, e o tempo urge pelo perdão,
atrás dos olhos enfurecidos, da besta fera agora indefesa;
existe um homem de natureza, arrependido tenho certeza,
da atrocidade que cometeu, perdoe ele papai querido;
dentro da fera está seu amigo, que tantas vezes foi destemido;
e ao seu lado lutou bravio.
O capitão esmorecido, pelo pedido então foi tocado,
e o lobisomem então partiu, sumindo rápido por entre as sombras.
Hoje isolado em meio a mata, protege a vila de todo mal,
dando a certeza que um nobre homem, ainda vive dentro daquele animal.