Há que se ter tempo

Há que se ter tempo

para voltar-se à poeira das ruas de terra

voltar-se às manhãs emolduradas pela neblina

voltar-se de pés descalços aos campinhos de futebol

ao suor

à vertigem

à eternidade do gol

Há que se ter tempo

para voltar-se à janela e ver a flor que soluça canções de amor

para voltar-se a se escutar a resposta do eco

para voltar-se à luz da lua esbatida na rua de terra nácar

para voltar-se ao circo de lona rasgada

Há que se ter tempo

para voltar-se a ouvir o vento passando pelo poema

para voltar aos vagares das ruas e seus passos brancos

para voltar-se aos beijos do primeiro amor

para voltar-se às noites quentes e aos vagalumes

para se voltar ao jardim e ao seu aroma de felicidade

para voltar-se ao mar e às areias onde as tardes são o retrato (pra sempre) da vida

para voltar-se a assobiar para chamar o vento adejo

para voltar-se ao silêncio

voltar-se à ternura

para rir-se do passado

ou chorar as madrugadas

do hoje vago que teima em se desfazer em horas, minutos, segundos

Há que se ter tempo

para voltar-se a ouvir a canção da infância

para voltar-se a ouvir a chuva tamborilando no telhado

para voltar-se a se encantar com a primavera

para voltar-se a navegar os sonhos à luz do sol

com o canto das sílabas da noite

voltar-se aos lábios molhados em chamas da primeira namorada

Há que se ter tempo

para ver a tarde germinar

o pássaro fazer o seu ninho

a vida dormir sob a luz da lua

e sonhar gotas de vinho e mel

Há que se ter tempo

para fazer-se da vida Alma

e ponderação