Dentro e fora

Dentro e fora

maria da graça almeida

O meu de dentro é lente turva;

Fruta sem doce, raio sem chuva.

É o que se nega ao movimento,

é o que me entrega ao pensamento;

é o que se apega ao meu intento,

à carne cega, ao desalento.

O meu de dentro, faca com ponta

só me destrata, nem se dá conta...

O meu de fora nunca tem hora,

tem é malícia, boa preguiça;

tem todo um corpo que o assiste,

tem o sorriso alegre ou triste,

poucos reflexos, alguns complexos,

medidas loucas, beijos na boca.

O meu de fora, com eira e beira,

leva a pior na brincadeira.

O meu de dentro, trago bem perto!

O meu de fora é inquieto!

O meu de dentro nasceu discreto,

o meu de fora vive disperso,

o meu de dentro morre quieto,

o meu de fora vive o inverso,

o meu de dentro vive sem nexo,

o meu de fora morre incerto.