Perdi-me

Sei que é noite

e a flor rara e alheia

que descansa em teus cabelos

é a sombra do longo vento

espargindo teu perfume suspenso

no sonho

suspenso em caminhos onde o

escuro da noite se junta ao mar

O vento caminha lento como uma saudade

em doloroso passo

O vento se faz ouvir como um canto prenunciando

o movimento e o rumor da águas

Perdi-me

Perdi-me na tua noite

que agora habita os meus olhos

que faz das minhas tardes o espanto antiquíssimo

de ver as noites roçarem os horizontes

levando a luz em candeias

deixando a frágil solidão a procurar

a semente da luz no estuário do dia

que lentamente finda em contornos alheios a mim e a ti

Horas debruçadas sobre o verde

garatujando o verde de nuances negras

debruando o horizonte com cores que se deitam sobre a terra

E, à distância, aninhando-se nos silêncios

e no inquieto passar das nuvens úmidas de agonias

a lua desespera em prata

incendiando a ilusão do tempo

E os astros na noite enorme se contemplam

na nudez inviolentada do mar

Dobra o silêncio no sopro doce da infinda noite

Afluem, vívidos na transparência negra dos traços

da noite onde repousa o reflexo imóvel dos primeiros dias,

o perene poeta e a submersa poesia

E tudo o mais daí se construía

Os versos da poesia eu ouvia mudo e calado (encantado)

Círios acesos dissolviam e recriavam a tua imagem

A lembrança da chuva ficando como coisas antigas do Rio

onde mergulhamos o fogo diluído em nossos olhos

Onde o amor afastou-se de nós perdendo-se como criança

no bosque umidecido pelo orvalho candente da indiferença

E às margens do Rio a tua voz acordou-me do sonho

cindindo com tuas palavras o ontem desfeito (o tempo pressentido)

O gesto imprevisto e triste molham-me os olhos

Lá fora havia um novembro a caminhar vagarosamente nos passos

simétricos e sigilosos do entardecer

Aqui dentro nossos espelhos acordaram o que não fomos

A vida desnudou a noite

Brincou com as rosas vermelhas que o meu coração teceu para você

Brincou com a tua ausência dentro dos meus olhos

e quando você se foi meu coração palpitava longe,

tão longe,

muito longe do mar (e do meu grito... e do meu pranto)

E na cálida noite, escondida em algum lugar de mim,

ficou você

e uma saudade que ninguém explica de te dizer adeus,

de andar na chuva,

e fazer nuvens com esta angústia tão rente ao chão

fazer nuvens, como na infância,

com papel de pão

Contra o céu azul as orquídeas refletem os lindos crepúsculos de outono