A sanfona bem temperada
Minha vida é andar por este país,
onde Bach não pôs os pés
e o diabo pôs a um monte de ideias.
Num puteiro de beira de estrada,
onde nascem o preludio e a fuga,
a reza é outra e o canto resoluto.
Prelúdio para as moças friorentas,
cinco passos sempre à frente.
E fuga para os meninos perdidos,
repetindo o mesmo tema, cansativo,
que meus avós de longe já conheciam.
Não tem novidade no tema,
são sempre as mesmas sete notas,
1100 repetições do mesmo poema.
Descansar feliz é virtuosismo.
O que há pra hoje é teorema.
Uma trama sertaneja repaginada,
e uma pasacaglia queimada na brasa.
Um olho no gato outro no peixe,
um dedo na sanfona, outro bolinando por aí.
Se automaticamente já cantamos,
sobra tempo pra olhar um na cara do outro,
e morrer de rir.
Não somos gênios, e mestres cantores tampouco.
Somos só viajantes, do pensamento um do outro.
Misturando numa casa rosa, na beira do fim do mundo,
Bach, Luiz, nenhum médico, e muitos loucos.
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Imagem: Compositor Johann Sebastian Bach (1685-1750)