Serenata de lua e silêncio II

A segunda vez que me sozinho

Não me importava a lua

As ruas urgentes e aquele dia claro

De um dia tão normal

Nada me entontecia

Encontrei minha mãe no quarto

Também sozinha

E sozinha preferiu rezar

Meu pai sumido

Talvez fizesse a barba

Debaixo de um pé de sonhos

Num canto de fim de alma qualquer

Qualquer um de nós

Não sabia do que se tratava

Aquela dor

Havia tempo pra curar?

Uma bula que vento nenhum trouxesse

Talvez aparecesse do nada

Num dia sem sol

Na porta da sala

E escrito estivesse

Nada

Um papel em branco

Que não levasse em conta

Nada

Não havia mais nada o que fazer

Você perde o rumo

Não gosta de sol

Tem medo de escuro

Confia demais na lua

Que não há

Ir pra onde?

A segunda vez que me vi sozinho

Os olhos dela estavam fechados

E não havia nada que pudesse me ferir tanto

As mãos amigas em meu ombro

Pesavam

Um fardo que eu deixaria por ali

Perto daquele bebedouro cromado

Debaixo daquele banco de madeira carcomido

Em que minha mãe também morria

E pessoas que eu jamais vira

Pesavam

As traves de sustentação

Que reluziam tal prata

E sustentavam inertes

Aquele invólucro

De onde os olhos fechados de minha irmã

Deixavam meus olhos cinzas

Os céus cinzas

E choveu o que a terra não poderia tragar

E meus olhos

Só saberiam águas tantas

Tantos anos depois

O abraço inerte

Deixado sobre o peito

A quem já não se atrevia mais

Adormecidas mãos

Postas

Sobre mim

Que queria estar ali

Deveria estar ali

E que sofresse a falta do ar

Que não me faria ofegante

Que penasse a dor mais lancinante

Que talvez me fizesse sorrir

Quando aquela minha lua

Me abandonara

Eu me vi sozinho em segunda vez

E ela

Em vez de mim

Talvez pudesse me visitar

Me fazer sorrir

Reavivar-me

E me contar histórias

Que talvez só eu pudesse saber

E me reinventasse fins

Me pintasse um monte de outras luas

Num céu que não pudesse

Nunca ser um céu assim

Que tivesse pena de mim

Como a vida

- estava escrito -

Não teria pretexto nem tempo a perder

Não comigo

Nem lua mais havia em mim

E ela

Que já seguia

De novo

E sempre

Sempre

Sempre

Sempre

Sem mim

Que sempre

Fui o que não teve coragem de ir

O que sempre correu

E correu

E corria

Pra ter tempo

E mais tempo pra não ter que voltar

Ela que sempre foi

À frente

sempre

Ia sem mim

E eu tive tanta

Tanta

Culpa

De tudo

Que nem Deus

Se naquele dia

Deus existisse

Ele não poderia

Não teria o direito

De ter pena de mim

Capiau da roça
Enviado por Capiau da roça em 23/05/2012
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