Tempo que enche e vaza...

Eita! A maré já está vazando!...

Logo-logo será boa hora

para despescar os matapis.

É bom ir logo, antes das 6,

soturna hora da Ave-Maria.

O silêncio quase reina ali.

O porronca marca, em sua cinza

--que vai crescendo lá no canto

da boca do caboclo ribeirinho--,

o líquido tempo que deságua...

... e vaza nestas barrentas águas

(lépidas como os tralhotos),

levando galhos, sementes e folhas,

lavando o tijuco mole da beira

e também minha vida cotidana...

A monotonia da aragem calma,

fazendo bailar as altas árvores,

além do calor, cachaça, maruins,

amortecem os meus músculos,

e o leve deslizar da montaria

(de) marca o navegar das horas,

nesse ritmo de folhas paradas,

quase, e do vaivém dos sararás

em sua faina sobre a lama...

Mas os matapis não sobem fartos

do fundo dessa senda líquida,

confortável estrada esta minha

de onde colho o alimento incerto...

É bem verdade, por mim não semeado.

Esta vida imaginada, impressa

neste papel frente a teus olhos,

é uma forma de viver virtual,

realidade recriada, revivida,

no ritmo das águas, das marés,

chuvas, matas entrecortadas

por sinuosas estradas líquidas,

estradas tuas e minhas, ir e vir

que representa a própria vida...