A noite adormece

Adormece a noite

Os fragmentos de luz que os postes derramam sobre a tarde e o sol poente

transpassam a rua e o sereno diáfano que umedece o beijo ébrio do outono

Passos caminham os caminhos que se escondem nas sombras dos postes e dos beirais dos telhados

Os jardins são noites estendidas que se esvaecem por entre o sono da tarde que desce embalando os girassóis

A noite zumbe na aragem sons, lágrimas de infância, ilhas onde a poesia faz verdades dos meus sonhos, mágoas, segredos emaranhados

É maio na face da lua.

Na face dos anjos é maio

É maio também nos teus olhos negros

Teus olhos são a poesia acordando a neblina e as flores noturnas

E a palavra se desfaz ao entardecer e ao vento

Pela frincha da noite a primeira estrela brilha

A noite ergue-se longa e impassível como a primeira noite ergueu-se na incipiente dor do Tempo

A noite desliza pela superfície das águas dos mares e dos poemas de rústicas palavras

Noite imponderável

Noite onde as hastes de trigo balouçam turgidas de luar e ninguém vê

Acariciando sonhos

Refletindo o amor que foi imortal (todo amor é imortal)

E o mundo inteiro era onde tu estavas

Debaixo de todos os céus ondulavam as estrelas que eu colhia para você

Em toda a terra havia um jardim desenhado pelas auroras

Havia o mar e os olhos puros repletos de encantamento

Havia o mar pressagiando o passado

E a janela para o mar

E a brisa que trazia de longe o teu nome

E a carícia dos teus olhos negros nas folhas tenras da noite

E na eternidade do mar soprou a difusa melodia da ilusão

Palavras que soavam pelo quarto

e caiam, letra após letra, sobre os séculos da noite adentro

A noite adormece

Sob o inefável escuro dos teus olhos

que, agora, como os versos oscilantes e ao acaso,

murmuram trechos de poemas

que eu, menino, colho todas as manhãs

enquanto a lua cochila

e o pássaro chilreia pelos telhados

vazios

todo o vazio do mundo

que dói lentamente

exalando este perfume doce

que confunde os outros que há em mim

espelhos dos meus rostos

das vidas que me foram dadas (impostas?)

a caminho do eterno

ou de mais portas de ilusões?

A noite adormece em meu peito

sem pressa

deita as estrelas para eu ver

A noite

a/dor/mece

e vem engolindo a rua

já tendo engolido o sol

Sentado, a olhar o mar,

fico esperando a tua ausência

na minha vida

e nesta tarde de domingo