Musica inerte
Pego alguns cigarros,
um litro de whisky,
ligo o som.
Começo a remexer no meu passado.
Ele esta entre discos que raramente escuto:
um universo de músicas eternas.
Empolgo-me. Tiro a toalha da mesa.
Distribuo os discos amarelados pelo tempo
Coloco-os em ordem
Como se fazia naquela época.
Toco músicas só pra mim
Viajo entre um gole e uma baforada.
Danço com minha imaginação.
As luzes piscam freneticamente
adrenalina sai de controle.
Com ela, eu e o volume.
Ainda tenho a mesma agilidade, quase a mesma!
Em trocar os discos na vitrola.
Não deu tempo de a rapaziada parar...
Vou largando uma, outra, e mais uma...
A festa tá uma loucura!
Num ínfimo instante no espaço em que revivo,
Travisto-me com a mesma roupa e penteado.
Essa noite não tem fim...
Agora, arrasei os sentidos.
Todos dançam com fôlego de dar inveja
A euforia é tanta que inexiste tempo.
Da mesa de som acendo um cigarro.
É hora de um som manero pra relaxar...
Todos param de súbito – procuram-se
Homens e mulheres abraçam-se à meia luz.
Seus corpos se tocam com o romantismo da melodia,
seus rostos lentos e delicadamente acariciando-se,
sentem suor e perfume um do outro.
Bocas se procuram na luz tênue.
o coração pula, a garganta seca, a mão treme.
A camisa molhada de suor.
No pescoço, uma mão ingenuamente carinhosa
procura aconchego para um braço exausto.
Caricias prolongam-se por mais duas, três músicas.
Com um olhar terno, mas com calor do inferno,
a música cristaliza-se
as pessoas cristalizam-se.
Existe nada e ninguém além dos dois.
Bocas sedentas encontram-se, misturam-se línguas
O coração implode de prazer.
Rostos acariciam-se de novo
o cabelo molhado toca na fronte...
um abraço forte e longo.
A música acaba, o som não se desliga.
Apenas o chiado de disco arranhado...
Abro os olhos e vejo-me só na sala
com o cigarro acesso entre os dedos.
Desligo o som, arrumo os discos.
Dou um gole na bebida já enfraquecida pelo gelo.
Minha vida fragmentou-se...
Apago a luz,
vou pro quarto tentar sonhar contigo.