qualquer coisa, mãe

há qualquer coisa ainda a ser dita

antes que as mãos que me lançaram semente

repousem postas em flor

de dentro da pedra

do pétreo chão dos dias

ergui-me sob o sol

em pequena, mas plena e bela flor

antes que o medo impune

ressurja no quarto da memória

e me roube as noites de sono

e eu à espera

à tua espera

à espera do doce sussurro

que era ouvir meu nome

naquelas fundas noites de medo e ausência

à espera do doce e pausado dizer

que era ouvir meu nome

e não havia mais medo

não havia ausência

só música

a música

o sono

e o sonho

há qualquer coisa ainda a ser dita

e que eu gritasse teu nome

e todos os sons fossem surdos

depois das brisas cessarem

depois de não haver mais luas

que caminhos seguirão minhas súplicas?

houve um tempo em que caminhavas

longe de mim

houve um tempo em que desistias

tanto de mim

que eu não podia ser tão pouco

que eu não devia ser tão reto

que eu devesse fugir e enfrentar todos os muros

e todas as encostas

e todos os espinhos

e todas as dores

de todos os dias

eu devesse sentir

pra que não fosse tão pouco

pra que não fosse tão reto

há qualquer coisa ainda a ser dita

agora que repousas em tardes de afeto e ternura

agora que tuas mãos me sabem semente

lançada sobre terreno infértil

e que vingou

agora que sabes que nunca fui pouco

que nunca fui tão reto

agora que me acolhes num vaso à sombra

e és-me água e alimento

agora, sim, que eu te renovo os olhos

em cores e cheiros e sons

não existe mais medo

não há ausência

nem distância

não há o que perdoar

apenas alguma coisa ainda a ser dita

qualquer coisa a ser dita

Capiau da roça
Enviado por Capiau da roça em 13/05/2012
Reeditado em 13/05/2012
Código do texto: T3665153