qualquer coisa, mãe
há qualquer coisa ainda a ser dita
antes que as mãos que me lançaram semente
repousem postas em flor
de dentro da pedra
do pétreo chão dos dias
ergui-me sob o sol
em pequena, mas plena e bela flor
antes que o medo impune
ressurja no quarto da memória
e me roube as noites de sono
e eu à espera
à tua espera
à espera do doce sussurro
que era ouvir meu nome
naquelas fundas noites de medo e ausência
à espera do doce e pausado dizer
que era ouvir meu nome
e não havia mais medo
não havia ausência
só música
a música
o sono
e o sonho
há qualquer coisa ainda a ser dita
e que eu gritasse teu nome
e todos os sons fossem surdos
depois das brisas cessarem
depois de não haver mais luas
que caminhos seguirão minhas súplicas?
houve um tempo em que caminhavas
longe de mim
houve um tempo em que desistias
tanto de mim
que eu não podia ser tão pouco
que eu não devia ser tão reto
que eu devesse fugir e enfrentar todos os muros
e todas as encostas
e todos os espinhos
e todas as dores
de todos os dias
eu devesse sentir
pra que não fosse tão pouco
pra que não fosse tão reto
há qualquer coisa ainda a ser dita
agora que repousas em tardes de afeto e ternura
agora que tuas mãos me sabem semente
lançada sobre terreno infértil
e que vingou
agora que sabes que nunca fui pouco
que nunca fui tão reto
agora que me acolhes num vaso à sombra
e és-me água e alimento
agora, sim, que eu te renovo os olhos
em cores e cheiros e sons
não existe mais medo
não há ausência
nem distância
não há o que perdoar
apenas alguma coisa ainda a ser dita
qualquer coisa a ser dita