Entre/mentes

A palavra brota entre outros tantos nomes

fragmento da alquimia de letras e sons

decantando o verso possível

o verso sem imagem ondula

entre o perfume e a névoa

que evolam-se das palavras

sonhos despertos

mitos aflitos

derramados

num silêncio

onde termina a inumerável distância

e começa, trespassante, a solidão

burilada no Tempo

e na imagem enganosa no espelho

"Solidão"

não mais que informe palavra

marchetando o som

em dois dobres de sino

a palavra translúcida

ressoa na brisa escondida

na camisa do menino

como vela de barco

enfunada de ar,

lampejos de gota azul,

entre outros tantos nomes,

e esta infinitude

impregnada

de ausência

longa

como um olhar

às rosas vermelhas

de uma pimavera

suspensa

até que o momento

nos faça olhar para trás

a memória úmida de eternidade

com os olhos novos que a

primavera nos dá

enquanto as flores são pólen

o sol pulsa os dias inefáveis

miragens azuis de um outono

preciso

conciso

apenas signo

onde a manhã

abre as janelas

e o gorjeio dos pássaros

e o silêncio lúdico das asas das borboletas

inventam esta paz

onde prossegue perene

a criação do mundo

sem recorrer à lembranças

e tudo se faz como na manhã primeira

onde o Devir paira no ar

e gera oníricos seres

luz

água

fogo

gesto

árvore

rio

vôo

formas

verbo

nenúfares

estrelas

pulso

vida

amor

face no lago

imprevisível imagem

colhendo noites e dias

através do Tempo incriado

onde a Criação ruma para a morte

Que nos sobrará ao final

quando o encanto

quando o espanto de um novo dia

se for

e a luz restar exposta como a irrealidade

contida no insofismável destino humano?

Quando o marulho do mar se estender

por sobre todo o mistério

e o sonho, mimeticamente, se embriagar do real,

a Alma, esquecida,

a arte, indelevelmente mergulhada

no abstrato escuro e no silêncio,

sobrará ao homem,

em quantas vidas viver,

o silêncio único e úmido

de suas lágrimas