A VASTA MEMÓRIA
O estigma da memória
decifra toda a minha vida,
vivida, sentida, ouvida
no passado distante em Jequitinhonha.
Jarros de flores enfeitando janelas
nos dias de procissão.
Tropeiros descendo a rua principal
sujos de barro e lama das estradas.
Meninas brincando de roda,
meninos brincando de morte,
os mais velhos jogando conversa fora nas calçadas.
A beira do rio era uma cortina de luz
com a lua doirada beijando as àguas da ribeira.
O calor jazia nas ruas
e acabava dentro de casa
com seus lampiões a querosene.
Velas brancas de canoas
no meio do rio levando mocinhas estudantes
para o colégio Nazaré em Araçuaí.
O rio e suas ilhas, suas ilhotas, seus remansos,
seus peraus, sua estrada de àguas e seixos.
Os arredores da cidade,
Baixa da Égua, Sete Casas, Lambu Pelada,
Lajedão, Santo Lenho, Alto da Paixão, Aldeia,
Paraíso, Campo Velho, Mancai, Brasilinha,
Boca da Ponte, Transval, Campo Novo, Mumbuca,
Laranjeira, Estiva, Caju.
O cais do porto com suas canoas ancoradas.
Barrancas vermelhas de terra vermelha
desembocando na alva praia com cheiro de malva.
Cheiro de comida de Dona Ercília
servindo marmitas de alumínio a viajantes.
Cheiro de frutas no chão da feira
multiplicando-se em cores.
Manga Espada do pomar de Antônio Pereira,
pinhas e cajus do quintal de Sandoval,
banana nanica e laranja de doce da roça de Dona Guiomar.
Coqueiros flanando ao vento da orla do rio,
da beira dos córregos e dos ribeirões.
A melodia dos pássaros trinando seu canto
no céu da cidade que ardia de luz e calor.
Histórias contadas por Loi de Primitivo,
por Maria de Vavá, por Maria Rosa, pela Nega Teresa,
por Diocrécio, por João Preto e toda essa gente
que se perdeu no turbilhão do tempo.
E enfim, a memória vasta, a vasta memória,
doirando de luz o segredo do passado distante.