Ana Célia

Ana Célia de manhã

Ela e os galos, a noite se acabando.

As poucas estrelas

Já não cumprem função no céu.

De perfume e cambraia

Da janela se vê o andar

Mole e automático

Que carrega Ana Célia ao trabalho

Desce a ladeira, devagar.

Daqui a pouco, entra

No trem, mil abraços

No caminho,

“A vida é apertada assim

Mesmo.”

Os cabelos bem cuidados

Não se deixa abater

Toda semana faz escova

E fala de sonhos com Iracema

Cabeleireira. Essa se perdeu

Muito jovem e seus olhos

Traz essa marca...

E evita lembrar de quando

Olhava pela janela e só

Via na vida gosto de hortelã,

E os homens de baciada

Amavam cada pedacinho

De seu corpo. Só não

Amava de cansaço,

Porque seu coração era

De varanda fresca.

Recorta a vida em troncos

Pra pode sobreviver...

Dé pé o dia todo,

Fazer sapatos pra grã-fino

Cada um melhor que outro

E seu salário compraria no máximo

Dois daqueles,

E tem raiva de Santa Maria

Que quando criança era linda

E dava tudo que pedia.

Fim de tarde, retorna

E um cheiro de adubo

Vem-lhe seguindo

Subindo a ladeira

De sua casa na

Rua Colto Pereira,

Ainda sem asfalto

Ana Célia

Pega na cintura,

E sente o que quase

Não se sente.

Não é o peso

Das compras

O cansaço de um dia de trabalho

Ou algum desconjuntamento

O que Ana Célia não aguenta

Mais é essa pobreza de amor.

Alex Ferraz Silva
Enviado por Alex Ferraz Silva em 08/05/2012
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