Desconhecido
Cada vez menos produto da química orgânica,
transmuto o corpo num violoncelo passivo.
E no espaço entre as cordas e o arco,
despejo um mar furioso e feito de antiguidades.
Não é música nem obra de arte eterna.
O som devolve à praia os restos de navios,
e corpos de desconhecidos e tolos argonautas.
Estão todos expostos vexatoriamente em carne viva,
espalhando pela terra encantada seu odor malígno.
Eu, que já não mais invento linguagens desonestas,
sou apenas produto da partitura em frente à mão,
que interpreta o que outra mente dispersa lê
nas pautas de uma partitura que no passado escrevi.
Esse é o futuro, do qual disse que retornaria.
Volto para contar de mares que se evaporaram,
mostrando naufrágios tão óbvios quanto a vida.
Desgraçadamente não sou semi-deus, mas sou eterno,
filho de um centauro do qual herdei a matemática.
Que cura dores, converte almas e salva suicidas,
mas que traz em seu próprio corpo uma incurável ferida.
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Imagem: "Êxtase de São Francisco" de Caravaggio