A Vila
A vila
Ela cantava cores
De um céu amorfo
Solitário e abafado
Juntava-se a ele
Numa confraria
De desiludidos.
Sua canção de dormir
Fazia acordar pelo
Espanto de se saber vivo
As chuvas
Que molhavam
A vila e os campos
De trigo, refrescavam
Também a face
Da criança que brincava
De viver ao ar livre,
Brincava, entenda-se!
O faz de conta era
Matéria prima prá
Se defender de visões
Apocalípticas que compunham
O lado negado e não compreendido
Que assolava a vila em horas
Não reveladas.
Apreensão. Ninguém
Sabia a hora de deitar-se
Sobre os pés e aceitar
O onda de barro seco
E desdobrado
As serras eram contornos
Verdes que alimentavam
A vila de sombras e limitava
A distância que os olhos
Podiam percorrer.
No centro, entre os quatro
Cantos do cotidiano, pequenas
Casas, sem varanda, coladas
Umas às outras, como irmãos
siameses, compartilhavam
A mesma aparência da porta
Da janela e das cores:
Que variavam no máximo
Entre branco amarelo
E batentes vermelhos.
A rua arrastava de ponta
A ponta, quadriculados
Encontros de outras ruas
Atalhos que dava
Em outros bairros
Dirigidos por outras
Tribos de dialetos
E costumes diferentes.
Não se olhavam essas ruas
Via-se apenas o que lhes
Mantinha distante do susto
E do medo.
O mínimo, o refresco
Que faz o diferente
Era visto e percebido
Por poucos, entre eles
Manuel Cunha, autista
Que era incapaz de comunicar
Ao seu círculo, as imagens
Vibrantes que rodeava
Cada pouso de seus dedos
Sobre a vila.
As lavadeiras, cantando
Um passado remoto
Ao lado de pássaros
De cabeça vermelha,
Tecia as dores de
Estar numa vila
Decaída. Quando lhes
Doíam alguma história
Punha-se lhe a transformar.
Em cantos de passagem.
Ao lado do retrato
Da praça central
Na padaria de Dourival
Coelho, uma mancha
evidenciava a ausência
De algo que esteve
Muito tempo preso
Naquele lugar,
Uma cicatriz de cola
Na parede necessitada
De uma nova forragem.
Ruas várias
De pedras quadradas
Simétricas, certas
Incoerentes, recebiam
Passos diversos,
De velhos, meninos
E das mesmas lavadeiras
Que voltavam pra casa:
Exaustas, de mãos gastas,
Os pés em falso
E de estômago em prece
Ao redor das mães
De crianças de colo
Outras crianças
Em escadas, olhando
Ressentidas o lugar
Ocupado, e mesmo
Assim, o tempo andava
Com lapso e retalho.
Os rumos da vila
É independente
Do que ela sustenta