Sonho e quimera

As nuances das tardes de outono

tingem o céu com seus dourados arabescos

pintam de um verde intenso os jardins e as árvores

colorem a rua abandonada

e a insensatez das suas esquinas

preguiçosas

E a tarde toda é este mundo apaixonado

onde deixo meu olhar se embevecer

onde deixei os teu lábios

e a minha sede

e a senda por onde andei

e amei o imáginário sutil do outono

[em meus sentidos

Este é o outono em que não te amei

este é o poema da tua ausência

que se estende na ilusão das palavras

nas cores deste dia de maio

na imobilidade da mágoa

e do silêncio sem resposta

As cores das tardes de outono

deixam seus tons

nas lembranças que se dissolvem

neste lento esvoaçar dos segundos

nos relógios distraídos

engrenagens solitárias a sorver o Tempo

Esplendem as tardes sobre as vidas

de vemelho incendiadas

navegam as ilhas rumo ao inverno

e às lépidas e inconsúteis nuvens

dormem as constelações votivas

nos ermos céus da onde cairão

[as ilusões

e o amargo rumor que ficou do amor

a chuva e o vento mastigarão

na distância que ficou de tudo e em tudo

ficou esta saudade circunspecta do mar

e no coração a certeza de acordar e dormir

[só

Agora é maio

e as nuances das tardes de outono

tingem a vida e o vento e o destino:

sonho sem porto

mares sem velas

esperando pela noite verde (também de outono)

que sai de entre os dourados e os vermelhos

que sai do ventre da vida

e flerta com vagalumes

[silêncio

as praias caminham placidamente para o inverno

e, mesmo que não haja mais ninguém,

o céu se vestirá de cinza

engolirá o horizonte

e deitar-se-a com o mar

à espera dos ventos que vêm de longe

vêm dos leitos mornos

[silêncio

que o grito fendeu-se em meu peito

e as minhas mãos procuram as tuas

[sem jeito

Enquanto não vens amalgamo palavras

[apenas

O que direi à lua quando ela perguntar por ti?

Direi, talvez, que sinto saudades

assim como sinto saudades das rosas,

tão irreais,

longes de ti

neste outono singular

e tão parecido contigo

Os pássaros gorjeiam sobre felicidade

enquanto a manhã deixa no ar

a lágrima de orvalho que a flor falseia

Quem a trouxe?

O sonho...

e os dias ensolarados e sem nome