Junto palavras

Junto palavras como a criança que junta

palitos de picolé

armando uma construção

que ninguém vai ver

e que desfaz quando acabada

e que dos mesmos palitos inicia nova construção

Junto palavras dentro do silêncio

E o tempo aninha-se ao brinquedo

e encobre a vida,

eterno sisifismo,

e esvoaça

no seu caminho sem volta

As palavras espalham flores,

gotas d'água,

orvalhos pelas manhãs,

cantam cigarras à tardinha,

trazem de volta os passarinhos,

incendeiam o cricrilar dos grilos,

põem no céu as estrelas

e em meus olhos saudades

que às vezes parecia até cisco

que nem dava pra ver a manhã caminhando

O sol rasgando as sombras de maio

neste último dia de abril,

mastigando o friozinho da manhã,

sorve o outono e entra pela janela

acendendo as letras pretas na página toda amarela

E a palavra uma hora se revela,

outra hora foge,

inventa,

cai em contradição

Junto palavras como quem junta

nos ventos

sua vaza de solidão