ENIGMA DA CASA VELHA
A casa velha
Erguida solenemente
Ao fim da rua
Espreitava o mundo.
Fincada insolenemente
Ao fim da rua
A casa velha
Vigiava o mundo.
Ao contrário das folhas de papel em branco
Que aceitam qualquer mundo
A casa velha só tinha olhos para o seu mundo
O qual espreitava e vigiava como um atalaia.
Mundo vago e pequeno
O da casa velha
Posto que ocupava apenas
A dimensão exata de sua diminuta rua.
Mas vejam - e que ninguém se engane -
A casa velha de raízes profundas
Entranhadas no chão daquela rua
Sabia muitas coisas.
Muito mais coisas por exemplo
do que um caixeiro viajante
Mesmo sem ter estado antes
em nenhum lugar distante.
Erigida solidamente
Ao fim da rua
E cercada de árvores mudas
A casa velha investigava o mundo.
A hera tomara conta
Do pórtico de entrada da casa velha
E ninguém nem mesmo ao trabalho se dera
De podar as pontas das visitantes de primavera.
Até quando
Permanecerão incólumes
As fundações da casa velha.
Por quanto tempo ainda habitarão insones
Os cada vez mais escassos e idôneos
Moradores que supunha ter a casa velha.
Exalando estranhos e antigos aromas
pelos compartimentos sem cores
na extensão abrupta da casa velha.
Quem humano poderia
Acompanhar o passo lento
Mas inexorável da casa velha.
Um ano era
Como uma vida eterna
Se dependesse do olhar astuto da casa velha.
Parada soberbamente
Ao fim da rua
Ela auscultava o mundo.
E não era qualquer mundo
Como os mundos que surgem dos papéis em branco
Que ganhava a admiração da casa velha.
Mas um mundo
que repousava na ânsia
De um cachorro no quintal em um feriado longo.
Longe, contudo
um bramir de tratores
agitava a casa velha.
Sentia mesmo um terremoto
A sacudir-lhe as paredes
Como na queda da casa de Usher.