ENIGMA DA CASA VELHA

A casa velha

Erguida solenemente

Ao fim da rua

Espreitava o mundo.

Fincada insolenemente

Ao fim da rua

A casa velha

Vigiava o mundo.

Ao contrário das folhas de papel em branco

Que aceitam qualquer mundo

A casa velha só tinha olhos para o seu mundo

O qual espreitava e vigiava como um atalaia.

Mundo vago e pequeno

O da casa velha

Posto que ocupava apenas

A dimensão exata de sua diminuta rua.

Mas vejam - e que ninguém se engane -

A casa velha de raízes profundas

Entranhadas no chão daquela rua

Sabia muitas coisas.

Muito mais coisas por exemplo

do que um caixeiro viajante

Mesmo sem ter estado antes

em nenhum lugar distante.

Erigida solidamente

Ao fim da rua

E cercada de árvores mudas

A casa velha investigava o mundo.

A hera tomara conta

Do pórtico de entrada da casa velha

E ninguém nem mesmo ao trabalho se dera

De podar as pontas das visitantes de primavera.

Até quando

Permanecerão incólumes

As fundações da casa velha.

Por quanto tempo ainda habitarão insones

Os cada vez mais escassos e idôneos

Moradores que supunha ter a casa velha.

Exalando estranhos e antigos aromas

pelos compartimentos sem cores

na extensão abrupta da casa velha.

Quem humano poderia

Acompanhar o passo lento

Mas inexorável da casa velha.

Um ano era

Como uma vida eterna

Se dependesse do olhar astuto da casa velha.

Parada soberbamente

Ao fim da rua

Ela auscultava o mundo.

E não era qualquer mundo

Como os mundos que surgem dos papéis em branco

Que ganhava a admiração da casa velha.

Mas um mundo

que repousava na ânsia

De um cachorro no quintal em um feriado longo.

Longe, contudo

um bramir de tratores

agitava a casa velha.

Sentia mesmo um terremoto

A sacudir-lhe as paredes

Como na queda da casa de Usher.

Albuquerque Silva
Enviado por Albuquerque Silva em 27/04/2012
Código do texto: T3636149
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